Os três efes e um reforço

Ouvinte assíduo da Antena 2 e da Antena 1, por vezes até de um bom relato de futebol (se for o Paulo Garcia, e um dia direi porquê…), fui, não sei já há quanto tempo, surpreendido pelo relato de um jogo entre o Sporting e – aí está a minha surpresa – “o Fátima”. Ora, enquanto ia mastigando e digerindo a minha surpresa, ia falando com os meus botões e os meus botões comigo, ou seja, uma vez que o sono não me ocupava a sesta, ia pensando, vejam lá vocês no que havia de ser…, em “ o Fátima”.E de “o Fátima”, foram, os meus botões, passando do futebol para Fátima, terra de fé: tínhamos ali dois, dos três efes, reforçados, e, como se viu, bem reforçados, porque “o Fátima” ali se revelou, tão rapidamente que toda a “comunidade futebolística”, e não só, foi atingida pela mesma surpresa: um novo milagre, não da Fátima, mas, desta vez, do Fátima… Sublinho bem o ‘o’ de ‘do’, porque todas as testemunhas do “milagre” – relatores, comentadores e agentes – faziam questão em sublinhá-lo, realçando a coisa na pronúncia, na fala, na dicção. E prontos, estavam aliados, reforçando-se mutuamente, dois efes: dos tais… Os meus botões ainda quiseram insinuar que se calhar era um abuso ou, sabe-se lá, uma falta de respeito, uma heresia, como que passando a bola à Senhora do Milagre. O quê? “Promiscuando” (relevem lá o neologismo de minha conta…) o milagre religioso com o ‘milagre’ desportivo?! Fosse como fosse, fiquei com a impressão de que não haveria mal nenhum, antes pelo contrário, pois parece que todos, crentes e descrentes, aceitam a coisa com naturalidade. E assim passámos a ter mais um ‘dois em um’, embora, para que não houvesse confusões, bem distinguidos pelo artigo (acima sublinhado).

E foi então que os meus botões, por sua conta e risco, me alargaram a reflexão sobre o tema dos três efes. Nem todos bem saberão o que são “os três efes”, ou melhor, o que foram, o que são e, certamente… o que hão-de vir a ser “os três efes” , na vida nacional, poderíamos mesmo dizer na história nacional. Mas eu lembro.

Pois bem, nos tempos da dita outra senhora, ditadura, sim, no tempo da ditadura, o ditador e seus agentes, como é sabido, faziam tudo para “distrair a malta” (não era assim, Zeca?) da desgraça em que estávamos metidos. E então, tudo fizeram por arranjar motivos de distracção que ocupassem a atenção, o olhar, numa palavra, o interesse do povo. Que fizessem esquecer todas as penúrias. E todas as penúrias quase iam sendo esquecidas: num campo de futebol; no recinto ou na catedral de Fátima; e, em toda a parte, ouvindo cantar o Fado (e aqui está o terceiro efe).

E aonde nos leva a imaginação, quando pensamos no que ainda poderão ser os três efes! Partindo do princípio de que o futuro é a projecção do presente, não será muito difícil conjecturar o que eles poderão vir a ser, já no próximo futuro deste país. É só ver o que p’raí vai: 2 milhões de pobres, mais 500 mil desempregados e os mais que se anunciam todos os dias, mais de 200 mil manifestando o seu desconforto, e, agora, só professores, mais 100 mil! E mais e mais… Daqui a pouco, por este andar, e já que não se vê jeito de sairmos da cauda, será que os três efes , agora reforçados, não terão o condão de fazer feliz este povo, nem que fosse por milagre?…

E vai daí, vejam vocês bem, não é que o Fátima vai mesmo de vento em popa?! Até parece milagre! É como se, num descampado bravio, em pousio de futebol, surgisse, inopinadamente, assim de supetão, uma abundante e verdejante cultura: de milho,, de trigo, de centeio, de batata, de espiga cheia, de tubérculo grosso!

Se calhar, como quem adivinhasse já essa hipótese, bem se ouviu, lá do meio da multidão, adeptos gritarem que, não senhores, não era nada disso que estivessem a pensar, negando-se a relacionar o sucesso do Fátima com o milagre da Fátima.
Mas muitos de nós fomos tentados a pensar isso mesmo. E então se fosse? Não seria nada de mais. Se o milagre dá para fazer uma catedral do tamanho de um estádio, também daria para fazer um estádio do tamanho de uma igreja…

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