Ainda o Acordo: “Semana da Língua Portuguesa” em Moscovo

Nem de propósito, no DN de 24/09/07, na Secção Portugal, p. 14, na coluna do lado direito, “Breves notícias”, a terceira era como segue:

“A primeira Semana de Língua Portuguesa, que hoje começa em Moscovo, ficará marcada por diversos eventos, como a apresentação de obras de autores lusófonos na língua russa. A Semana de Língua Portuguesa começará com a cerimónia de inauguração de um busto de Machado de Assis no átrio da Biblioteca.”

Como vêem, esta pequena notícia só vem confirmar o que eu disse (escrevi) numa crónica anterior. Tinha ou não tinha razão quando, nessa crónica, “profetizava”, (quero dizer prognosticava) que não vai mais ser possível nem acordo, nem “acordinho”, nem acordão. Os Brasileiros dão provas, mais do que provadas, de que não querem ver o seu português (ou o brasileiro?) sujeitar-se, seja de que forma for, à norma da antiga matrópole. E esta breve notícia da “Semana da Língua Portuguesa” em Moscovo dá-nos bem a ideia que preside à iniciativa que, sem dúvida para mim, aponta para o facto de ela ser da responsabilidade dos nossos irmãos falantes do Brasil, sem acordo nem consulta, nem sequer uma conversinha com os falantes do português de outros países, a começar, naturalmente, pelo país de origem da dita língua…

Porque dizemos que a iniciativa é deles? Repare-se bem na última parte da notícia: “começará com a cerimónia da inauguração de um busto de Machado de Assis no átrio da Biblioteca”. Não é por acaso que o busto a inaugurar não é de Camões, nem de Garrett (de quem Machado de Assis se considerava de certo modo discípulo), nem de Eça (haverá em toda a literatura portuguesa prosador de maior envergadura?), nem de Pessoa (haverá, em toda a literatura do português moderno, poeta de maior envergadura?). E se fosse de António Vieira, “imperador da língua portuguesa no dizer de Bernardo Soares/Pessoa, tanto português como brasileiro, nestes 400 anos do seu nascimento?
Não. O busto é de Machado de Assis, certamente o primeiro maior escritor brasileiro de literatura portuguesa que se atreveu a criticar o próprio Eça quando saiu O crime do Padre Amaro… Mas, tratando-se de escolher alguém que possa ser considerado o maior, nem que fosse apenas simbolicamente, no universo do uso da língua portuguesa, pode parecer-nos que o busto simbólico não deveria ser o de Machado de Assis.

Eu acho, se é que posso achar, que há um poeta que há muito grangeou para si o direito de simbolizar a nossa língua comum. Se é que ainda podemos considerá-la comum…
E, nesta sequência, seria caso para perguntar se nessa “semana do português” em Moscovo, algum português (escritor, professor, literato enfim) esteve envolvido na iniciativa. E, se sim, quem? A notícia não explicava nada disso. Então, voltemos a pôr a questão: será possível, ainda, “acordar” a unidade da língua?

Lembremos que esta questão nunca se pôs para a língua castelhana, em relação ao universo castelhanófono. Nem para o francês, no universo francófono. Nem para o Inglês, no universo anglófono. As respectivas academias supremas dessas três línguas, tiveram, na história dos tempos coloniais e posteriores, a função assumida de velarem pela unidade da língua comum. E, já agora, estou convencido que, se em Moscovo ou qualquer outro azimute se celebrasse uma “semana do castelhano”, por exemplo, ela seria certamente iniciada com a inauguração de um busto de Cervantes…

P.S.: Aqui se corrige o lapso relativo à citação de Pessoa: é, de facto, um verso do ortónimo, em “Mensagem”.

3 pensamentos sobre “Ainda o Acordo: “Semana da Língua Portuguesa” em Moscovo

  1. Tudo isso está muito bem e também não sou a favor do Acordo. Mas os seus argumentos são ‘ad homines’, percebendo-se antes de mais um preconceito relativamente aos brasileiros que me parece inadmissível, como se o Brasil fosse um país de índios retardados, sem literatura nem outro tipo de cultura.
    Já agora, para mim, Machado de Assis é, de facto, um escritor superior e tem tanto direito em ter um busto lá na biblioteca de Moscovo como qualquer um dos outros que citou, embora, não nego, gostar muito de Garrett, Vieira, Camões, Pessoa, e Eça. Sou mais estudioso da literatura do que linguista e não gosto de comparar qualidades literárias que são diferentes (compare a ‘qualidade’ de Camões com a de Pessoa e vai ver que ‘não cola’).
    Outras observações: a expressão “imperador da língua portuguesa” aparece n’A Mensagem, por isso não é de Bernardo Soares, apesar de, como é óbvio, ele ser também Alberto Caeiro ou Ricardo Reis.
    Mais grave parece-me a referência a uma academia de língua inglesa… ora, sabe-se que a Academia Britânica (http://www.britac.ac.uk/) nunca teve como objectivo zelar pela unidade do inglês, ao contrário do que afirma. O inglês é uma língua à solta, sem regras fixas, puristas, acordos. É isso que admiro nela.
    Acho que é tudo.
    Um abraço,
    Ricardo Nobre

  2. Caro Visitante Ricardo Nobre,
    muito me agradou a sua resposta à minha postagem (neologismo brasileiro) sobre o Acordo. Gostei, antes de mais, de saber que o Visitante, estando contra este acordo, está, parece-me, do lado da sensatez.

    Agradeço-lhe ter-me corrigido o lapsus memoriae a respeito do “imperador da língua portuguesa”. Há tanto tempo que li pela última vez a “Mensagem”, que na minha cabeça se baralhou a coisa…
    Quanto à possível comparação de Pessoa com Camões, não fui eu que a fiz… E até penso que, se Pessoa tivesse vivido no séc. XVI, não sou capaz de ter ideia de o que ele seria. Seria, decerto, um grande poeta renascentista, da ‘medida nova’, claro. A não ser que ele inventasse a ‘novíssima’… Capaz disso era ele…

    Quanto ao Inglês (que nunca foi o meu forte…), aceito que não se pode comparar o papel das Academias Espanhola e Francesa com o de qualquer Academia Inglesa, nem mesmo com o de Oxford ou Cambridge. De qualquer maneira, há quem ache (e eu penso que com razão) que não tem comparação a diferença do inglês da Inglaterra e o Inglês dos Estados Unidos da América e de outras antigas colónias britânicas, com a diferença do Português de Portugal e o Português do Brasil. Basta ouvir, como eu às vezes, um episódio de alguma telenovela que se siga aqui em casa, com personagens de todos os estratos sociais. De facto, só uma coisa eu lamento: é que o Português em Portugal se tenha esdruxulado, ao contrário do Português do Brasil (o Brasileiro?), que, em minha opinião, se tornou, entre as românicas, a língua mais bela depois do Italiano.

    Apenas uma coisa, na sua resposta, me deixou um pouco triste: ´foi ‘o argumento ad hominem’ (ad homines, vá…). Se o caro Visitante se tivesse atido ao parágrafo 17 do texto “Acordo/desacordo”, e lido as rubricas 188 e 223 do livro “Tento na Língua!”, de certeza que desfaria a impressão expressa, pois nos meus textos nem sequer acho latente qualquer contradição argumentativa que não seja ‘ad rationem’. De facto, eu até tenho pena de não ser brasileiro só por uma razão: falar o Português como os irmãos Brasileiros. E nisso tenho-lhes inveja.
    Obrigado pois, caro Visitante, pela sua resposta.

    António Marques

    (postado pelo webmaster)

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