As mudas e os “espetadores”

Por duas vezes ouvi, na Antena 1, o espectáculo da apresentação do último disco de Pedro Barroso. Cá em casa somos fãs do cantor (dizem por aí “cantautor” mas eu não gosto nada da palavra…) De tal modo que escrevi um pequeno texto aqui no blogue, com o título “Épico da nossa desgraça”.

Depois propus-me escrever outro texto, digamos, mais explicativo, sobre as tais consoantes mudas da tal “coisa obscena chamada Acordo Ortográfico”.

Façamos então algumas considerações sobre “as mudas”. Na opinião da generalidade dos gramáticos que têm sustentado a norma da língua, consoantes mudas são aquelas que não se pronunciam, umas, ou quase não se pronunciam, outras. E a esse propósito acho oportuno tentar deduzir, pela minha cabeça, as razões pelas quais os reformadores de 1945, da ortografia do Português, acharam por bem deixar intocadas as ‘mudas’, que às vezes o não são, e outras vezes são mudas aqui, e ali já não. E porquê, então, as mantiveram, com a correspondente obrigação do seu uso por parte do utente (falante ou escrevente)? Na minha modesta opinião por três razões: além da razão etimológica, outras duas razões que têm a ver com a prosódia; ou, por outras palavras, com a prolação (a pronúncia). A etimologia, neste caso, aproveita à prosódia de duas maneiras. Uma: a consoante, muitas vezes, não é muda, porque se pronuncia, unanimemente ou por grande parte dos falantes: sector, secção, contracepção, seccionar, opção, adopção etc, etc. Duas: mesmo quando não se pronuncia, é preciso que ela lá esteja para lembrar ao utente/falante que a vogal que a precede se deve dizer aberta: electricidade, director, objecto excepção, selectividade, espectáculo e tantas e tantas que, para não encher umas páginas, porque teria de escrever todas as simples e mais as suas cognatas (da mesma família). Mas, para terminar a lista aqui, quero fazê-lo com os tais “espetadores” de Pedro Barroso. E não quero mesmo terminar sem referir um comentário ao ‘post’ referido, do meu blogue, de visitante brasileiro:

“No Brasil nós precisamos o ‘c’ de ‘espectador’. Aliás pra gente, ‘espetador’ é alguém que ‘espeta’ (cutuca com algo pontuado)” João Marcos (IP: 189.08.248.42).

(Nota minha: cutucar, v.i. Brasil: tocar levemente com o dedo ou com o cotovelo para chamar a atenção. Acotovelar. [Lello Ilustrado]). É não é de somenos importância esta questão das ‘mudas’: em português, no seu processo evolutivo, é sabido – devia sê-lo pelos irresponsáveis governantes que se prestaram a este mau serviço à língua portuguesa –, que a tendência do português de Portugal vai no sentido de enfraquecer as vogais, se não mesmo emudecê-las, se lhes tiram a tal consoante muda. Vejam: ‘espetadores’.

Mas, para terminar o meu texto das ‘mudas’, falta ainda falar de uma coisa muito importante. Porque é que o famigerado Acordo de má nota, com tanta gana de exterminar as mudas e as não-mudas, deixou livre, intocável, a muda das mudas – o ‘h’ – como se ele lhes fizesse enguiço, como se tivesse peçonha. O agá – ‘h’ – , a não ser acompanhado de outra consoante – ch, lh, nh – alguma vez se pronuncia (se pronunciou) na nossa querida língua portuguesa?! E vêm-me vocês falar em lógica?!

A lógica é outra coisa: o chamado Acordo Ortográfico, em implementação, está sendo objecto de ‘estragação’ do Português! Mas que estragação! E que despesa! E que baralhada! E então nas escolas? Para professores e, sobretudo, para as crianças que começam. Uma verdadeira calamidade! Apetece gritar por socorro. Acudam! Oh Camões! Oh Vieira! Oh Garrett! Oh Eça! Oh Aquilino! Oh Pessoa! Oh colunistas de alguns jornais de referência, como eu resistentes ao estrago irresponsável!

Um pensamento sobre “As mudas e os “espetadores”

Deixe um comentário