Aos irmãos “europeus aquém-Urais”: da Ucrânia e da Rússia

1. Ante-scriptum

1.1. Com a devida vénia, adiante se transcreve, na íntegra, uma daquelas pequenas/grandes crónicas (que de modo nenhum podem ser chamadas croniquetas!), saídas da mão sábia do jornalista do Diário de Notícias Ferreira Fernandes, numa coluna de dimensão 18×7 com o nome “UM PONTO É TUDO” (última página e última coluna do Diário de Notícias). Há uns poucos dias deste Agosto que não saía, creio eu (e felizmente não me enganei: já voltou!) porque o autor esteve de férias.

1.2. Peço licença ao autor, que opta por escrever na ortografia do chamado Acordo Ortográfico (AO90), como se vê logo, e bem visivelmente, no título – adjectivo “eurocéticos”… – palavra que me parece errada, mesmo seguindo o dito AO90, porque, na generalidade, os falantes não dirão “céticos” mas sim “cépticos”; ou seja, na sua maior parte, deixam perceber, mais ou menos audivelmente, o ‘p’ que precede o ‘t’, o qual, pois, não é mudo, pelo menos não completamente mudo; ora digam e ouçam bem, quer dizer, ponham o ouvido bem à escuta: eurocépticos!… Mas, sem mais demoras…

2. Scriptum

Aí vai então a crónica, tirada do DN de 30 de Maio de 2014 (estavam os ucranianos para eleger o seu presidente) com o titulo “Os ucranianos mortos são todos eurocépticos”:

“A Europa procura com contas de merceeiro quem será o seu próximo presidente, que será quem quer que seja, mas pouco. E, entretanto, em noticiário só de pequenas linhas, a guerra civil instala-se na Ucrânia. É a Jugoslávia Parte II. Ainda não tão emocionante mas lá chegaremos, as imagens da anarquia em  Donetsk, homens musculados e loiras de camuflado, confirmarão que as guerras civis mais populares no prime-time são das terras com gente bonita. Espectáculo que deveria envergonhar-nos porque a tragédia a poucas semanas da magna tragédia que vai ser, é também culpa nossa. Dessa, dita em cima, falta de Europa. Se nos tivéssemos ocupado menos com as medidas das sanitas e mais com o tamanho e a profundidade da Europa, não tínhamos chegado aqui. Era claro que não devíamos ter acirrado a Ucrânia contra a Rússia. Devíamos, se fôssemos europeus, ter pensado Ucrânia e Rússia. E porque éramos os menos envolvidos deveríamos ter sido os que agiram de cabeça fria. Chama-se política, que é coisa que devia ser entregue só a grandes, não a amanuenses de geoestratégia. Em 1959, ainda a URSS tinha 30 anos para viver, De Gaulle definiu o nosso espaço numa frase: “do Atlântico aos Urais.” Ele percebeu, quando ainda só se podia adivinhar, que a Rússia é nossa ou somos pouco. Hoje, com ela aí, a Europa tratou-a como inimiga e, cobardemente, por interposto e fraco país. Ucrânia, mais um dano colateral da falta de Europa.” (in DN de 08/Junho/2014)

3. Post-scriptum (só para os ucranianos)

Queridos irmãos ‘europeus aquém-Urais’, então vocês querem vir para a Europa contra a Rússia? Para esta Europa, esfrangalhada em países fracos, pobres e empenhados até às orelhas?! Porque não vêm primeiro fazer um estágio, como tantos dos vossos compatriotas? E só depois de verem, com os vossos olhos, o paraíso que é a Europa, onde, com excepção da Alemanha, todos vivemos à farta, e, talvez, um pouco à  francesa! Mas, sobretudo, à portuguesa, com as pensões e subsídios cortados, com os milhares ( ou os milhões?) de pobres, com os nossos melhores a fugirem daqui  para onde lhes possam dar pão à medida do seu trabalho sabedor aqui aprendido. Experimentem! Vinde para cá, pois então! Em último caso, nunca vos faltará a sopa dos pobres, ali ao Intendente ou alhures. Em qualquer sítio encontrareis sempre um pratinho de sopa, quanto mais não seja da Caritas, da Santa Casa da Misericórdia! Ou as migalhas de alguns ricaços, cada vez mais aços! Venham para este Paraíso Terreal! Experimentem! Mas pensem bem, co-irmãos continentais aquém-Urais…