Ao(s) sábio(s) da ‘Real’ Academia das Ciências de Lisboa

NO DESERTO: AVESTRUZES, WELWITSCHIA MIRABILIS, MIRAGENS E UMA INOCENTE PERGUNTA

Imaginem vocês, há tanto tempo que ando com ela ferrada na cabeça, e só nesta quarta-feira – 18/11/15 – me deu para verificar a ortografia usada na crónica do habitual cronista dessa página, Adriano Moreira (vide DN dessa data, pp 12 e 13). E, tendo-me alguém chamado a atenção para o caso, qual não foi o meu espanto ao confirmar que Adriano Moreira, presidente (que é ou que foi) da ‘Real’ Academia das Ciências de Lisboa, instituição oficialmente responsável (ou geralmente considerada como tal, desde que me lembro) por velar pela língua portuguesa, incluindo a ortografia, que, afinal, esse Sábio usa, no seu português escrito, o tal ‘acordês’, ou por outra, “essa coisa obscena chamada Acordo Ortográfico” (Vasco Graça Moura). Fui ler então A nave dos loucos. E, verdade se diga, quanto às tais ‘consoantes ditas mudas do Acordo (AO90, claro), encontrei nesta crónica por oito vezes só e apenas uma: o c antes do t – projeto, objetivos, afeto, perspetiva, atualidade, tática, objetivos, projeto. Mas não vou acabar este parágrafo sem referir que há muito tempo trago por aqui no computador um trabalhinho precisamente chamado ‘As tais consoantes ditas mudas do Acordo’ e que, se tiver vida e saúde e mo permitir a disposição, há-de ainda um dia destes aparecer aqui no blogue. Deparantes de acaso ou adrede visitantes, não percam a esperança...

[Chegada a 4ª-feira seguinte, 25/11/15, pude verificar os 5 exemplos de consoantes mudas nessa crónica: adjetivação, objetivos, fatores (será muda, esta?… escutem bem: factores ), protecionismo (e esta?… proteccionismo), atos].

Mas então porquê aqueles temas do sub-título que trazem consigo a evocação do Namibe? Pois. Lá iremos. Foi no Liceu Adriano Moreira,(notem bem!), em Moçâmedes, que iniciei, na Angola de então, a docência: 1 turma de Português (3º ano) e outra turma de Latim (11º). Um dia, com mais três compinchas, combinámos ir por ali abaixo até ao Deserto do Namibe. No meu ‘2 cavalos’, pois claro. Eis senão quando– a maravilha! – parados na estrada, verificámo-nos cercados de “água” por todos os lados, como se estivéssemos rodeados por um grande lago à nossa volta. A toda a volta, a vegetação se reflectia para baixo à superfície da “água”… E ali ficámos um bom bocado, embevecidos pela ilusão das miragens!… Mais para baixo, já no deserto, as avestruzes corriam por cima da vegetação, quase por nós enxotadas, por certo também da welwitschia mirabilis

“Lago das Miragens

Se eu morrer um dia aqui neste deserto,
atirem meu corpo ao Lago das Miragens!…
Assim bem fundo no sopé
daquele morro imóvel reflectido.
Talvez o meu desejo lá no fundo
alimentasse raízes destas welwitschiae mirabiles
que enterram no deserto o seu segredo…

Se eu morresse aqui… ou mesmo vivo
se no deserto chovesse o meu desejo
(neste deserto selvagem que em nós se transmudou)
seria revelado aos homens o mistério
deste não-sei-quê que não nos é propício…

Deserto-mar da Ilusão
dos que sofrem a sede da vingança
ou talvez só a sede da Justiça.
Se eu morrer aqui neste deserto
enterrem-me corpo e alma no lago-mar da Ilusão.”

(Moçâmedes, Deserto do Namibe, 1967, publicado in O PROFESSOR, Jan./Abril 2005.p. 66)

Mas voltemos ao ‘nosso’ Liceu Adriano Moreira, ou melhor, ao patrono do liceu, porque tudo o que fica escrito com ele tem algo a ver. Personalidade de grande envergadura, ministro do Ultramar de então, sócio da Academia das Ciências de Lisboa e depois seu presidente (e, na verdade, não sei se ainda o é…). E voltámos aqui porquê? Para quê? Para fazermos ao Sábio (e aos outros Sábios seus sócios), uma pergunta inocente.

Porque que é que esse homem tão importante e sábio, com um importante currículo, sinal de sabedoria, como é o dele, assim tão ligado à Academia guardiã da Língua Portuguesa, consentiu a RATIFICAÇÃO do Acordo (e, pelos vistos, consente ainda porque na sua escrita usa “essa coisa obscena chamada Acordo Ortográfico”)?

Dois grupos lexicais parónimos e não homónimos

Ante-scriptum: Na loja onde comprei os óculos, sentado diante da secretária da senhora atendedora, olhei à minha volta, para o décor da sala, e vi, em vários sítios, a palavra óptica (assim escrita com o “p” antes do “t”). Noutros sítios estava ótica (sem, ´p´, como, por exemplo, no saco em que me entregaram os meus óculos). À entrada do supermercado em que está integrada a loja, podemos ver no cartaz da dita, em letras garrafais de publicidade, a palavra ótica sem o “p”. Foi por isso que me decidi a compor este ’post’.

1.
ÓPTICA
(nome substantivo): parte da física que se ocupa da luz e dos fenómenos da visão (ou de artigos que têm a ver com a visão, como, p. e., óculos… (Etimologia: do substantivo grego optiké).
ÓPTICO/ÓPTICA (adjectivo): referente à óptica ou à vista; visual; o que fabrica instrumentos de óptica; oculista […].

Atenção à ortografia e mesmo à prosódia: por mais que “uma coisa obscena chamada Acordo Ortográfico” (na feliz expressão de Vasco Graça Moura) insista na asneira de os considerar homónimos, nunca este grupo (da óptica) poderá deixar de se escrever com o ‘p’ que precede o ‘t’, Por duas razões, a etimológica e a prosódica: é que aquela consoante “p” não será assim tão muda (quando muito, poderia dizer-se “semimuda”, porque os falantes sabedores pronunciam-na: “óptica”, pois.

2.
ÓTICO/ÓTICA (adjectivo): do ouvido; relativo ao ouvido; diz-se do medicamento contra as dores dos ouvidos. [Etimologia: do grego ótikos, “auricular” pelo lat. oticu; da mesma família do “oto” de otorrinolaringologia; elemento de formação de palavras que exprime a ideia de “ouvido”: do grego ous- otós – ouvido ].

Nota final: Posto isto, não vejo onde possa haver confusão entre as palavras destes dois grupos lexicais, nem que razão assistirá a esses ignorantes que mandam escrever as palavras do grupo 1 sem “p” ou do grupo 2. com “p”!…

Mensagem a Gonçalo M. Tavares

Caro Gonçalo M. Tavares,

Ao abrir o último Notícias/Magazine (19/01/14) na última página (a do seu ‘senhor Voltaire e o Século XX’), apanhei um grande susto quando dei logo com os os olhos no erro ortográfico do título, garrafal negrito: Objetos [sic], sem a tal consoante muda. “Será que o Gonçalo deu o dito por não dito?!”… E corri logo, a ver o dito – depois daquele tração preto ao fundo – dito que, de tão fanado, não consegui ler sem recorrer à lupa! – porquê, Senhores do Magazine?! Mas, finalmente, tranquilizei-me: era mesmo um erro ortográfico. E logo a primeira palavra do título! Quero que Gonçalo saiba (e, já agora, também  a Ana Bacalhau) que compro o DN para ler, sobretudo, os cronistas que escrevem em português lídimo. Não perco, é claro, o Baptista-Bastos à quarta, a Ana e o Gonçalo ao domingo,  e outros que os leitores sabem quem são. Em ‘brasileiro’ condescendo, ao sábado, por causa do ‘Q’ que também não perco. Vejam vocês, eu que era leitor diário do DN!…

Como este grande escritor (já fui com ele numa Viagem à Índia!…) não indica o seu endereço, peço à Senhora Directora o favor de lhe reencaminhar esta mensagem, com os meu gratos cumprimentos .

António Marques

Pessoas e coisas que eu não entendo: Vasco Graça Moura / Carlos Reis

Compro o DN todas as quartas-feiras. Para ler duas crónicas: a de Baptista Bastos e a de Vasco Graça Moura. Mas desde já digo que as deste último leio-as, geralmente a contragosto. Não pelo estilo – grande escritor, bom poeta e ainda melhor poeta-tradutor. E, nesse aspecto, merece ser lido. Quanto às ideias, aí, deixa-me muito baralhado: acérrimo militante contra “uma coisa obscena chamada Acordo Ortográfico” (na sua voz), é politicamente que ele me faz virar o juízo. Li, pois a sua crónica da quarta-feira passada (31/07/13): “Ainda o apanhamos”. Esta, porque pode ser neutra, é mesmo de não deixar de ler. “Ainda o apanhamos”: é assim que termina, como toda a gente escolarizada deve saber, o célebre romance Os Maias de Eça.Quem, por obrigação profissional, teve de ensinar Eça de Queirós no ensino secundário, não pôde passar sem frequentar o professor catedrático Carlos Reis, “sem dúvida, um dos maiores especialistas contemporâneos da obra de Eça de Queirós…”.

Mas eu, sinto uma pedra no sapato e não sei como livrar-me dela. É simples: como é que Vasco Graça Moura se entende com Carlos Reis quando falam (se falam…) n’“essa coisa obscena chamada Acordo Ortográfico”. E agora, perante as repetidíssimas notícias sobre os resultados negativíssimos dos exames de Português, tenho mesmo de perguntar aos dois tão ilustres entendidos na matéria: alguma vez falaram em que a  mais que provável  causa maior  desses resultados é, sem dúvida, a bagunça em que puseram a língua portuguesa com a ratificação ( a meu ver ilegítima, acho mesmo que ilegai, inconstitucional…) dessa tal “coisa obscena”?!.. Falaram nisso? Não falaram? E, enquanto falavam, não disseram os dois: “ainda o apanhamos”?!…

Em verdade vos digo, senhores ilustres professores e literatos, que enquanto não desratificarem (ia-me saindo desratizarem…) essa absurda ratificação, os resultados não vão melhorar. É que ninguém entende nada, ninguém se entende! E entretanto a língua – a nossa língua – vai-se deteriorando, não melhorando, não evoluindo. E “essa coisa obscena” vai-se tornando cada vez mais obscena; vai-se estragando e estragando a média avaliativa dos nossos alunos!

“Nublosa”, ou ignorância crassa da língua pátria

“O financiamento partidário esteve sempre envolvido numa enorme nublosa.” (Diário de Notícias, Editorial, 15/Julho/13)

É no DN, sim senhor. E ainda por cima, no editorial. Uma ignorância, eu diria universal. Mais do que ignorância: uma bagunça! Ilegítima. Ilegal. E os governantes ainda não deram por isso? Pois. A ignorância é universal. Porque, se não fosse, nunca estaríamos a assistir a esta baralhada que chega em cheio aos bancos dos exames de Português. Pudera! Até os deputados são ignorantes! Os que votaram pró e os que se abstiveram. Porque, se não fossem, não teriam autorizado essa  tal “ratificação” que mais pais nenhum se atreveu a fazer no universo da lusofonia.  E, se é ilegítima, ninguém tem obrigação de a cumprir. Bem pelo contrário! Cumpri-la é concordar, post factum, com a estragação que se está fazendo da Língua Portuguesa.

Como fazer para pôr cobro a esta desgraça? (Eesta era a única desgraça que nos faltava: desgraçar a língua!). Desgraça que, na oportuna expressão de Vasco Graça Moura, é “uma coisa obscena chamada Acordo Ortográfico” e, na minha própria expressão, “o Alcácer Quibir da Língua”.  Como remediar? Para revogar – o que não foi possível à demissão do outro! –, basta, senhores, uma penada da Assembleia! Para acabar com esta bagunça estragadora da língua, basta, Senhores Deputados, uma desratificação. (Olhem, ia a fugir-me a língua para a verdade: se calhar, queria eu dizer desratização!… Desratização? É isso: desratizar o nosso português).

Meus Senhores, tenham pena dos falantes, que já não sabem como hão-de falar! Tenham pena dos milhares de alunos (e os professores?…) que já não sabem como hão-de escrever! E  os jornalistas, sabem?…

Mas voltemos à “nublosa”. ‘Nublosa’ só existe, em português, como feminino do adjectivo ‘nubloso’ (forma popular do erudito ‘nebuloso’). O único substantivo ou, vá lá, nome (como os tlebs de agora querem…) que, nessa família, existe em todos os dicionários portugueses de Portugal, e brasileiros do Brasil, é ‘nebulosa’, forma feminina, substantivada, do adjectivo ‘nebuloso’ (esta, forma erudita de ‘nubloso, sim senhor), cujo étimo latino é nebulosu-. ‘Nublosa’ substantivo, não!

“Jogo da Língua” (Antena 1): dois casos que fazem pensar

1. Foi há poucos dias e a questão era saber se o grau superlativo absoluto sintético de ‘célebre’ era ‘celebrérrimo ou ‘celebérrimo’. É claro que o concorrente, deitando fora aquele barbarismo que não lembraria senão à senhora doutora que superintende no Jogo, respondeu que era pela alínea que dava como correcta a forma ‘celebérrimo’.
– Sim senhor, estava certo, é celebérrimo? Porque – palavras da senhora doutora – “celebérrimo é um adjectivo latino que serve de superlativo absoluto sintético do adjectivo português célebre”. Estou a citar de cor, mas a coisa era tão esquisita, que eu poria as mãos no fogo se não foi assim… Ora uma explicação nestes termos só tende a confirmar-me que a senhora não se dá lá muito bem com o latim, porque , se desse, teria esclarecido a coisa de outra maneira. Por exemplo, assim:É que, em latim, o superlativo absoluto sintético dos adjectivos com o nominativo do singular terminado em ‘er’ formam o superlativo absoluto sintético (antigamente dizia-s ‘simples’) em -errimus, -errima, -errimum; e isto, quer o adjectivo seja da primeira classe – pauper, paupera, pauperum –, quer da segunda classe – celeber (celebris), celebris, celebre.  E assim passaram (regra geral) para o correspondente português: pobre (pauper) – paupérrimo; célebre (celeber) – celebérrimo; etc. E este superlativo em ‘érrimo’ tonou-se tão expressivo, que, não raro, por brincadeira, se recorre a ele para superlativar (patuscamente…, mas muito expressiva e enfaticamente) outros adjectivos que não têm nada a ver com o étimo latino. Por exemplo: ‘chiquérrimo’, ‘grandérrimo’, …

2. No Jogo de ontem, 19/06/13, perguntava-se se ‘hipertensão’ se deve escrever, segundo o novo acordo, com ou sem hífen. Respondeu o concorrente:
– Sem hífen.
– Sempre escreveu assim? – perguntou a locutora.
– Sim, sempre escrevi assim.

Ora , francamente, o que seria de perguntar era se alguma vez, depois da reforma ortográfica de 1945, se deveu (ou se deve) ter escrito (ou escrever) aquela palavra com hífen… Ou então, porque se utilizou a expressão ‘segundo o novo acordo’? Foi para gozar com a gente ou quê?…

Contribuição para o debate sobre a “Aplicação do Acordo Ortográfico”

“A Comissão Parlamentar de Educação, Ciência e Cultura, na sequência da aprovação de um requerimento do PCP, deliberou, por unanimidade, constituir um Grupo de Trabalho para Acompanhamento da Aplicação do Acordo Ortográfico, de que fazem parte deputados dos vários Grupos Parlamentares, o qual está a ouvir várias entidades sobre esta matéria e a receber contributos escritos em relação à mesma.

Tendo em vista recolher variadas posições para reflexão, foi deliberado colocar a matéria em debate público, até ao final do dia 28 de fevereiro. Para uniformização da estrutura dos contributos e maior eficácia na sua apreciação, solicita-se que, se possível, seja utilizada a seguinte sequência:

1. Enquadramento da matéria;
2. Objetivos do Acordo Ortográfico;
3. Vantagens decorrentes da aplicação do Acordo Ortográfico;
4. Inconvenientes e problemas resultantes da aplicação do Acordo Ortográfico;
5. Proposta que apresenta;
6. Outras questões.” (http://app.parlamento.pt/forum/pub/IntervencoesDebate.aspx?ID=69)

1. Quanto ao enquadramento (tratamento) da matéria, pergunto: alguém achará sensato e legítimo aceitar que essa língua bárbara chamada Acordo Ortográfico seja de uso obrigatório, tão só e apenas em um dos mais pequenos espaços do universo da lusofonia, precisamente o país de onde houve vida e nome o português língua de Camões? Não há enquadramento: há desenquadramento, “insensato”, “obsceno”… (Vasco Graça Moura dixit).

2. Os ‘objetivos’ (sic) do Acordo Ortográfico são, obviamente, economicistas e neocolonialistas ao contrário: a ex-colónia a querer impor, no seu interesse económico emergente (também o interesse editorial) – o seu linguajar – à ex-‘metrópole’. Os governantes (desgovernantes) da ex-metrópole, escandalosamente subservientes e provavelmente levados por não se sabe bem que interesses comerciais/editoriais, foram até hoje os únicos que o ratificaram e impuseram – não fique por dizer – ilegitimamente, ilegalmente.

3. Vantagens? Que vantagens? Só desvantagens, a começar pela ‘estragação’ da língua de Camões, especialmente no que respeita às tais mudas (que as mais da vezes não são mudas!). São lá precisas por  razões que têm a ver com a etimologia (que ajuda a semântica e a prosódia).  Mesmo quando essas consoantes são mudas, elas ajudam o leitor a lembrar-se de que a vogal precedente é aberta. ‘Afetado’ em vez de ‘afectado’? Até faz logo pensar em ‘aftas’… Ainda hei-de provar (no meu blogue ‘Tento na Língua’) que se a imposição ‘desse’ acordo fosse definitiva, seria um golpe na língua que afectaria centenas de palavras do género do exemplo que acima apresentei: ‘afectado’, dentro de pouco tempo, passaria a ‘af(e)tado’; e só este exemplo, porque tem um verbo na família, provocaria alteração fonética forçada em inúmeras palavras que não vêm nos dicionários, tendo em vista a flexão do verbo. O mesmo aconteceria com ‘excepto/exceptuar’, ‘ejecto/ejectar’, ‘confecção/confeccionar’, etc., etc..

“Ainda ninguém chamou a atenção para a ambiguidade de se falar em ‘consoantes mudas’ – uma contradição em si que decorre da confusão entre as palavras escritas e faladas, entre a grafia e a fonética – dois sistemas autónomos com origens e evoluções históricas relativamente independentes um do outro…”
(Carta de Richard Hinkel Jr. ao Expresso de 10/03/2012 – recorte facultado pelo meu amigo Alfredo Faustino)

4. Além dos inconvenientes anteriormente referidos, tenha-se em vista a confusão absoluta nas escolas, nas repartições, em toda a parte em que se obrigue o uso dessa língua bárbara chamada Acordo Ortográfico.

5. Suspensão imediata. Voltar à estaca zero. Tratamento da questão por gente sabiamente competente, mesmo tratando-se de alguns linguistas universitários; sem quaisquer comprometimentos, claros ou obscuros, nomeadamente de cariz económico-financeiro. Ou se calhar, o melhor ainda seria não mexer em nada: deixar tudo como dantes. Esse Acordo, além do resto, revela-se um pantanal de ignorância das regras da evolução das línguas. Nenhum gramático, nenhum linguista , nenhum catedrático pode alguma vez impor alterações da língua. (E seria caso para lembrar se alguma vez o Brasil cumpriu algum acordo ou convenção assinado…)

6. Se se proceder como segundo a proposta do número anterior, não há lugar para outras questões… A não ser a questão (a pergunta): como foi possível a ratificação na Assembleia da República ter sido unânime (note-se bem: unânime!)? Quer dizer, portanto, com os votos de todos os deputados, mesmo os do PCP, dos Verdes e do BE! Como foi isso possível?! Estou muito zangado com toda essa boa gente de esquerda!

António Marques
Professor profissionalizado do Grupo 8º-A aposentado
Autor do(s) livro(s) Tento na Língua! (Plátano Editora) e do blogue do mesmo nome (tentolingua.wordpress.com).
(http://app.parlamento.pt/forum/pub/VisualizacaoIntervencao.aspx?ID=69&ID_Intervencao=1133)

Acordo Ortográfico: quatro crónicas de Vasco Graça Moura

Trata-se de 4 crónicas de Vasco Graça Moura (VGM), escritor e poeta, amante, admirado cultor e grande defensor da Língua (a qual eu quero também amar, cultivar e defender), publicadas no Diário de Notícias, na sua coluna das quartas-feiras, página 54. A primeira, apenas citada, mas vale bem só pela citação. As outras três, transcritas na íntegra.

1. “O reino da insensatez”

Aqui fica a expressão mais forte com que o autor caracteriza o dito acordo: “…essa coisa obscena chamada Acordo Ortográfico” (VGM, in DN, 29/06/2011, p. 54) “

2. “O Acordo, outra vez”

“As questões de fundo relativas à aplicação do Acordo Ortográfico continuam por resolver. Não entrou em vigor, mas há sectores, tanto ofícíaís como privados, em que vigora sem rodeios especíaís o princípio do faz-de-conta. Faz-se de conta que o Acordo já se aplica de pleno e estropia-se alegremente a nossa língua. Jornais e edttoras continuam a fazê–lo da maneira mais bárbara. Há já alguns livros importantes que saem cheios dos correspondentes aleijões. E eles só não vieam ainda afectar uma séríe de clássicos da lingua pela razão singela de que cada vez menos se cura de editá-los e pô-los ao alcance de toda a gente.
Ninguém parece ter sequer acordado para a necessidade de uma revisão. As duas grafias coexistem, porque, felizmente, um quotidiano importante e urna grande parte dos colaboradores da imprensa lusítana se mantêm fiéis à grafia anterior e esta é, por enquanto, a única que, legalmente, pode e deve ser aplicada. Toda a gente sabe que é assim e não vale a pena repeti-lo.
É possível que o lobby das editoras, depois de se ter precipitado na adopção do Acordo em livros escolares, manuais, dicionários e agora noutras publicações , procure impor essa coisa sem nome em todos os sectores da vida nacional, em especial no escolar. Também é possível que o poder não saiba lá muito bem o que fazer seguindo e alimentando, neste aspecto, a desorientação nas escolas.
Os partidos políticos com assento parlamentar têm vindo a pactuar, sem excepção, com esse estado de coisas. Ninguém lucra absolutamente nada com ele..[Realçado no original] Mas tudo isso redundaria apenas num simples exercício de humor de gosto discutível, se não se traduzisse numa violência quotidiana contra a língua. E o certo é que, se as coisas continuarem assim, dentro de uma geração ninguém conseguirá pronunciar correctamente a língua portuguesa tal como ela é falada deste lado do Atlântico.
Por outro lado, o que interessa, para além da questão jurídica e cultural de fundo, é uma questão política assaz bizarra.[Realçado no original] E a questão política actualmente resume-se a isto: estão a ser aplicadas não uma, mas três grafias da língua portuguesa. A correcta, em países como Angola e Moçambique, a brasileira (no Brasil) e a pateta (em Portugal e não se sabe em que outras paragens). Os representantes dos Estados-membros na CPLP, esses devem dar pulinhos de corça alvoroçada e do mais puro regozijo com tão portentoso contributo que a organização deu para unificar a grafia do português.
Enquanto se anda nestes preparos, toda a gente se esqueceu do famigerado vocabulário ortográfico comum. Onde pára o dito? Dele, ninguém sabe dizer nada, como da formosa Mariquinhas… Até agora, o vocabulário peca pela inexistência pura e simples e ninguém se preocupou com a superação de tão momentosa dificuldade. Ora não parece que actualmente, com as restrições que afectam também tantas áreas da investigação e da diplomacia, haja qualquer possibilidade de ele ser concretizado.
Entre as consequências relevantes dessa inexistência conta-se a impossibilidade de aplicar o Acirdo de cuja entrada em vigor o vocabulário comum é condição prévia, por muito que isso pese ao Prof. Evanildo Bechara, que lê a exigência correspondente como se ela unicamente se reportasse ao vocabulário técnico e científico. É de lamentar que, na pessoa do ilustre académico, a interpretação jurídica não consiga acompanhar o saber do linguista emérito.
Além disso, é muito de estranhar que, no ano em que o Brasil se apresenta em Portugal e Porugal se apresenta no Brasil com tanta pompa e circunstância, nenhum dos países interessados tenha feito qualquer reparo à maneira como a grafia do português, se pretende oficial e oficiosamente seja agora adoptada em Portugal, consagra uma série de enormidades que não estão, nem podem estar, a ser aplicadas no Brasil e que aumentam a desconformidade com a maneira como a língua se escreve de um lado e do outro.
Talvez tenhamos de esperar que se realize um ano de Angola em Portugal e de Portugal em Abgola para o problema merecer atenção. E então não será de estranhar que tenhamos de agradecer aos angolanos um rigor na grafia da nossa língua de que, por cá, nós portugueses já não somos capazes.” (VGM, in DN, 21/11/2012, p. 54)

3. “ O Cadáver adiado”

“No Brasil tratava-se fundamentalmente de sacrificar o trema e o acento agudo em meia dúzia de casos. E ninguém se resignava às regras absurdas de emprego do hífen… Com isso, bastou o abaixo-assinado de uns 20 mil cidadãos para se adiar a aplicação de uma coisa trapalhona denominada Acordo Ortográfico (AO). Os políticos ouviram a reclamação, estudaram-na e assumiram-na, e a sr.ª Rousseff decidiu.
Em Portugal o número de pessoas que tomaram posição contra o AO já ultrapassava as 120 mil em Maio de 2009. Hoje, e considerando tanto o Movineto contra o AO de então como a actual Iniciativa Legislativa de Cidadãos (ILC) com a mesma finalidade, esse número é incomparavelmente mais elevado.
Portugal bem pode propor a todos os quadrantes ideológicos e parlamentares da sua classe política que se assoem agora a este cruel guardanapo.
Faltou-lhes a coragem de respeitar as opiniões autorizadas, a capacidade de reflectir com lucidez sobre o assunto, a vontade cívica de se informarem em condições.
Acabaram a produzir este lindo serviço com a notável excepção do relatório Barreiras Duarte, aprovado por unanimidade na Comissão Parlamentar de Ética, Sociedade e Cultura (Abril de 2008), mas que não teve qualquer efeito prático.
A CPLP, ao engendrar o torpe segundo protocolo modificativo do AO, violou sem escrúpulos o direito internacional e traiu a língua portuguesa. Não serve. Mostrou total inconsciência, incompetência, incapacidade e oportunismo na matéria.
Agora, é evidente que, de três uma: ou o Brasil vai propor a revisão do AO ou tratará de a empreender pro domo sem ouvir os outros países de língua portuguesa, ou fará como em 1945, deixando-o tornar-se letra morta por inércia pura e simples.
No primeiro caso, mostra-se a razão que tínhamos ao insistir na suspensão do AO, a tempo, para revisão e correcção. A iniciativa deveria ter sido portuguesa e muitos problemas teriam sido evitados.
No segundo caso, mostra-se além disso que continuamos a ser considerados um país pronto a agachar-se `mercê das conveniências alheias. Com a desculpa, a raiar um imperialismo enjoativo, da “unidade” da língua, em Portugal haverá sempre umas baratas tontas disponíveis para se sujeitarem ao que quer que o Brasil venha a resolver quanto à sua própria ortografia. Foi o que se passou em 1986 e 1990.
No terceiro caso, mostra-se ainda que ficaremos reduzidos a uma insignificância internacional que foi criada por nós mesmos.
Mas, em qualquer dos casos, a situação será muito diferente da actual.
O Acordo Ortográfico ficará incólume e as suas regras serão revistas e modificadas. Ninguém esconde no Brasil esta necessidade de revisão e correcção, tão cultural, social e politicamente sentida que está na base do adiamento decretado.
Se as regras vão ser modificadas, e quanto a este ponto não pode subsistir qualquer espécie de dúvida, será um absurdo absoluto que se mantenha a veleidade de as aplicar em Portugal na sua forma presente.
Não se pode querer contestar oficial ou, sequer, oficiosamente a existência de três grafias, nada menos de três, como resultado grotesco de uma tentativa sem pés nem cabeça de uniformização delas em todos os países que falam português: a brasileira, a angolama e moçambicana e a irresponsável que é a portuguesa.
Torna-se imperativo o reconhecimento oficial de que a única ortografia que está em vigor em Portugal é a que já vigorava antes das desastrosas pantominas que foram empreendidas pelo Governo Sócrates.
No meio desta vergonha, o mais simples é:
a) reconhecer-se que o AO nunca entrou em vigor, por falta de ratificação de todos os estados signatários;
b) reconhecer-se que, para além disso, continua a faltar um pressuposto essencial da sua aplicação que é o vocabulário ortográfico comum que nem sequer foi iniciado;
c) suspender-se tudo o que se dispôs em Portugal, nomeadamente no plano das escolas, dos livros escolares e dos serviços do Estado;
d) tomar-se a iniciar«tiva de negociações internacionais com vista a uma revisão e correcção do AO por especialistas dignos desse nome.
O Acordo Ortográfico é tão mal feito que nem o Brasil o aceita… Logo à nascença, já era um cadáver adiado. Com vénia de Fernando Pessoa, agora não se pode deixar que, sem a necessária revisão, ele procrie seja o que for.” (VGM in DN, 02/01/2013, p. 54).

4. “Urgentemente”

“Há uma semana, escrevi nesta coluna sobre o adiamento de aplicação do Acordo Ortográfico no Brasil, por decisão da presidente Dilma Rousseff, que atendeu uma série de protestos e manifestações pedindo a suspensão e revisão do documento.
As implicações da situação assim criada, no plano internacional, são por demias evidentes. Escusamos de pensar que as Repúblicas Populares de Angola e Moçambique vão ratificar o AO nos próximos tempos, uma vez que não o fizeram quando não se esperava esta reviravolta da posição brasileira e é perfeitamente claro que nada farão enquanto não souberem em que param as modas.
Esses países vão, e muito bem, manter o satatu quo e a norma ortográfica vigente que, repito mais uma vez, não é, nem pode ser, a do Acordo Ortográfico.
Sendo assim, e se Portugal nada fizer, o comando das operações ficará nas mãos do Brasil, que nunca mais aplicará o AO na sua forma actual. Note-se bem, nunca mais!
Não digo isto com pruridos patriotinheiros, mas na previsão de que as modificações que venham a ser introduzidas no AO corresponderão apenas a características fonéticas e ortográficas do português do Brasil, mantendo-se as diferenças em relação à língua que se fala e escreve deste lado do Atlântico.
Isto é, nesse caso o Brasil levará a efeito mais uma sua reforma ortográfica própria,arredando várias das regras do Acordo Ortográfico mais gravemente lesivas da língua que é falada nos restantes sete países interessados. Nestas circunstâncias, Portugal não tem qualquer interesse em aplicar o AO numa forma que, afinal, não vai ser adoptada em parte nenhuma…
Há, dir-se-á, muita coisa que já se escreve em conformidade com as suas bases, muitos livros escolares que também já são impressos nesses termos, muitas práticas públicas que procuram já aplicar as normas referidas, E portanto, voltar atrás implicaria custos muito consideráveis que a crise actual não nos permite suportar.
É óbvio que os custos não poderão deixar de se elevados. Os erros, por vezes, pagam-se muito caro, e este é um desses casos. Mas os custos, nesse caso, não podem ser desculpas para não se fazer nada!
A tudo isto pode sempre objectar-se de várias maneiras. Sem voltar a invocar os muitos argumentos jurídicos de que os oponentes do AO têm lançado mão, temos, por um lado, que não faz qualquer sentido aplicar-se uma “reforma” que se tornou substantivamente inaplicável e cujos objectivos e pressupostos se evaporaram na prática com o adiamento brasileiro.
Por outro lado, e no tocante às alterações nos livros e manuais escolares e às práticas do ensino em todos os seus níveis, deverá ponderar-se que, quanto mais tarde for alterada a presente situação, mais cara ela sairá ao povo português.
E sairá mais cara no plano cultural, no plano económico e no plano financeiro.
No plano cultural, porque será cada vez mais difícil a correcção e a erradicação dos erros e entretanto a tendência será para que a memória da ortografia de 1945 se vá perdendo injustificadamente.
No plano económico, porque em nada lucrará esta língua que é falada em oito países, enquanto factor de crescimento, de desenvolvimento e de progresso à escala planetária, com a adopção por parte de Portugal de bizarras soluções que mais ninguém adoptará.
No plano financeiro, porque, quanto mais tarde se proceder às inevitáveis modificações e correcções, mais dinheiro custará essa operação à escala do ensino, da edição, dos serviços públicos, dos jornais, etc., etc.
A questão escolar é especialmente relevante. Talvez o problema possa ser atenuado pelo facto de haver manuais, impressos sem as regras aberrantes do AO, cuja validade ainda se mantenha. Num período de transição e dado que os livros escolares valem por vários anos, é natural que não tenham todos sido substituídos.
Seja como for, qualquer opção que envolva a continuação da aplicação do AO na sua forma presente acabará por nos sair mais cara do que a sua suspensão imediata.
Uma criteriosa formação dos professores e dos responsáveis pela educação, uma acção bem desenvolvida e considerada de serviço público por parte da televisão, uma campanha bem estruturada na comunicação social para a qual se concite a adesão dos próprios jornais, podem ajudar a reduzir os custos envolvidos.
Impossível não é. E não pode deixar de ser feito. Urgentemente. (VGM, in DN, 09/01/2013, p.54)

[ Caro leitor, deparante de acaso ou adrede visitante: se está interessado mesmo em lutar pela defesa da nossa língua, na linha do que é dito, nesta crónica de VGM  e em todas as postagens deste blogue atinentes ao mal-afamado Acordo Ortográfico da nossa desgraça  e através do qual se pretende desgraçar a nossa querida Língua, procure ler todas essas referências e, se estiver convencido como nós estamos, leia neste mesmo blogue a postagem “Uma ILC contra o Acordo Ortográfico”. Depois, é só clicar neste link e assinar: http://ilcao.cedilha.net ]

Brasil adia Acordo Ortográfico: e agora?… (I e II)

I

(Das notícias: “Brasil adia obrigatoriedade do Novo Acordo Ortográfico para 2016” e “Governo brasileiro prepara decreto para adiar acordo ortográfico para 2016”)

E agora!, que o Brasil adiou – et pour cause! – ?!…
E agora, Senhores Professores da Associação?
E agora, Senhoras e Senhores Linguistas (universitários alguns)?
E agora, Senhoras Editoras e Senhores Editores?
Que ireis vós, agora, fazer com o vosso “acordo/desacordo”? Com a vossa inovação pela inovação? Com o vosso “pronome indefinido” (sic) “se”, que estais querendo que substitua a partícula apassivante “se”, tão vernácula, tão portuguesa! – “faz-se coisas” em vez de “fazem-se coisas”?…
E agora, Senhoras Editoras e Senhores Editores? Que ireis vós fazer com os vossos livros “acordados”? Ortografados nessa língua bárbara, que não é português nem brasileiro?! Certamente porque a achais muito bonita!
E agora, Senhores governantes subservientes, calculistas ou nem isso?… E agora, Senhores Deputados de todos os partidos?!
Todos vós, estais satisfeitos com a triste brincadeira que querem impor aos falantes do português ?!
E AGORA?! Vejam bem como a ignorância é inovadora! Vejam bem como a inovação, quando não tem outra razão que não seja ela mesma e só, pode ser leviana e, tratando-se de uma língua, pode ser “estragante”, como está sendo com essa “coisa obscena chamada Acordo Ortográfico” (VGM)!
E agora?!

II – ‘BLIMUNDA’ em língua bárbara (?)…

Agora que o Brasil adiou… E agora, Senhora Presidenta?!
Estou certo de que, se o genial criador de Blimunda estivesse cá, a revista Blimunda, da sua fundação, seria ortografada, decentemente, em Português!
Com os respeitosos cumprimentos do leitor de Saramago,
António Marques.