EUTANÁSIA (1)

SENHORA DA BOA MORTE – SENHORA DA EUTANÁSIA

Assumpta est Maria in coelum. Assim se regista na liturgia católica o milagre, o mistério, o dogma da assunção de Maria (assumptio Mariae). E se bem considerarmos, todos os  grandes momentos de Maria são ‘milagrosos’ e como tais celebrados: na liturgia, no calendário e na dogmática: concebida sem pecado (imaculada Conceição, (concepção) – Immaculata Conceptio Mariae); virgem antes, no e depois do parto, ‘assumpta’ ao céu (dogma definido pela ‘infalibilidade’ de Pio XII em 1950, baseado em dois argumentos: já o povo a celebrava há muito tempo, documentos duvidosos só a partir do séc. V; a sua dignidade de Mãe de Jesus só lhe podia dar direito a uma morte assim: morrer sim, de qualquer forma tinha de morrer, pois também o filho morreu; mas logo levada em corpo e alma – assumpta (para o Céu…). É daí que vem a Senhora da ‘Boa Morte’, ou seja (recorrendo ao grego) a Senhora da ‘Eutanásia’. Estão a ver a eutanásia no dogma cristão? Não com esse nome que poderia ser suspeito, claro…

“Eutanásia (do grego euthanasia) morte sem sofrimento, morte bela, morte feliz” É o que diz o Lello Prático Ilustrado, 1981: “ Mas vejamos como a Enciclopédia Diário de Notícias, Círculo de Leitores, mais recente, já impregna o conceito, de ética, mesmo de moral, de que se reservam  o  direito de propalar para que ninguém cometa esse pecado horrendo (?!…) (Vejam bem: uma morte feliz, sem dor, uma boa morte pode ser pecado…, pecado horrendo!…); e  que, como tal, indirectamente, se julgam no direito de pregar. Vejam o ‘sermão’ da dita enciclopédia: “Eutanásia, s. f. [sem etimologia]. É a acção de pôr termo voluntariamente e de forma indolor à vida de uma pessoa. Condenável moralmente, a eutanásia activa, não o é, porém, a eutanásia passiva ou ortotanásia, que consiste em pôr termo ao prolongamento artificial da vida humana reduzida já ao estado meramente vegetativo, e sem esperança alguma de recuperação”. É óbvio que este discurso (ou sermão?) da Enciclopédia serve às mil maravilhas para os que, na Assembleia da República ou na sociedade civil, se haverão de opor sem dúvida à eutanásia, à morte ‘feliz’ a que todos nós temos direito; à boa morte, estão vocês a ver?, À eutanásia.

Sim, porque, etimologicamente – eutanásia [do gr. ‘euthanasia’, morte ‘doce e fácil’, pelo lat. euthanasia, ‘id’, pelo fr. ‘euthanasie, ‘eutanásia’ (Dic. Porto Editora 2003)’quer dizer isso mesmo, ‘boa morte’, dado que o sufixo grego ‘eu’ significa: bom, saudável, fácil, feliz; o elemento thanasia deriva de thanatos (=morte). Se consultarmos o Grande Vocabulário da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, Círculo de Leitores, lá encontraremos cerca de 500 vocábulos em que entra esse prefixo ‘eu’, muitos, do vocabulário da medicina. Só alguns exemplos: euforia: sensação fisiológica de bem-estar; eucalipto: boa sombra (árvore da boa sombra, de sombra saudável); eufemismo: suavização de uma expressão ou de uma ideia dura ou desagradável;  eufonia: suavidade ou elegância na pronúncia; eugenia (boa geração), Eugénio (bem  gerado), eupneia: facilidade de respiração, etc., etc. E, portanto, EUTANÁSIA.

Eutanásia, pois. Ora, se os crentes de grande parte das religiões crêem que só Deus (ou deus, ou os deuses) é (são) senhor(es) da vida e da morte, isso é lá com eles, que acreditem e ajam em conformidade. O que não têm é o direito de negar aos descrentes, aos ateus, a quem quer que seja, a todos, o direito de pensar e agir também em conformidade com a sua descrença; e até mesmo aos crentes num Deus que seja misericordioso e bom para com as suas criaturas, fazer evoluir o seu pensamento no sentido de que mesmo Deus não se deverá opor a que os mortais tenham morte ‘doce e feliz’ segundo a vontade (ou a possibilidade…) de cada um.

Porque a vida é nossa. Porque a minha vida é minha. Por isso ela poderá não depender de um deus cruel, ou de uma cruel sociedade, amantes do sofrimento dos outros (sadismo); ou amantes do próprio sofrimento (masoquismo); ou de uma coisa e da outra (sadomasoquismo). Não podemos esquecer que a mentalidade das sociedades sobre a morte assenta em lendas e mitos. Já ninguém poderá ter medo do inferno pela simples razão de que já ninguém crê no inferno. E quem é que acredita ainda no juízo final? Ou em outras coisas míticas ou lendárias assim, que radicam todas nas antigas  mitologias fantásticas?

E assim teríamos a eutanásia [a boa morte], nas leis e na vida, ou seja, no fim da vida.

Isto quer dizer o quê? Quer dizer que milhões e milhões de seres humanos, condenados a sofrer por tempo desmedido os desmesurados e horríveis sofrimentos que lhes causam as suas maleitas incuráveis, os seus tumores malignos, cancros e tantas outras em que os pacientes não podem morrer, devendo, por imperativos religiosos, morais e éticos (a que são alheios), suportar a dor, a dor atroz, a dor cruel, ‘doença prolongada’ por anos e anos, até que Deus (vejam bem: Deus!…) se digne, na sua ‘infinita misericórdia’, conceder por especial favor o ‘golpe de misericórdia…’. E os crentes aceitam! E os não-crentes?

Os crentes e os não crentes, quer queiram quer não queiram, quer creiam quer não creiam, estão sujeitos a ter de suportar essa ignomínia (isto sim é ignominioso!), porque essas comissões de ética constituídas por crentes, beatos e masoquistas, acham que o paciente só tem que aceitar sem protesto, resignadamente, pelos seus pecados que não têm (e mesmo que tivessem), mas que lhe atribuem.

E as sociedades, e as culturas, impregnadas dessas mistificações irracionais, dão pareceres, fomentam legislação, obrigam a medicina e seus profissionais a constrangerem-se, esses sim, até à ignomínia, sem  misericórdia nem humanidade!

[Eutanásia?! Anathema sit!(?!…]

Ode à Boa Morte
Assumpta est Maria in coelum
(Da liturgia )

Começa-se aqui por uma prece virtual
à senhora virtual da boa morte
à senhora virtual da eutanásia
que ninguém acredita já
além de crentes ou crédulos
que assumpta tivesse sido
assumpta est Maria in coelum
ou sabe-se lá bem para onde…

Queremos a boa morte, ‘doce e feliz’.
para sermos felizes antes dela
aqui, onde a natureza nos pôs,
no dia-a-dia da nossa vida.

Da nossa vida, ouviram bem!

Se a ciência inventou a anestesia
para precaver o sofrimento
porque haveremos de cultivar a dor?!
A vida é nossa, a dor da natureza.
A ciência não é deus
mas pode mais do que a crença nele.

Queremos ser menos infelizes
e assumir o direito que nos assiste
o direito à ‘morte feliz’
o direito à ‘boa morte’!
Direito divino? positivo?
ou qualquer outro que tenham inventado?…

É claro que não! Sim, o direito natural!

Antes que a dor insuportável nos traga o desespero,
temos direito à Boa Morte!
temos direito à Eutanásia!!

Não me venham cá com mitos e fantasmas
como se ditados fossem
da ciência ética
ou de algum Deus
ou de algum deus
que a sê-lo só pode ser sádico!

A vida que nos deram a Natureza e o Acaso
desde a mãe que nos pariu,
agora, é nossa!

Podemos dispor dela:
por nós próprios
ou pedindo ajuda, socorro, eutanásia
a nosso belprazer
quando nos prouver.

Quem se arroga por aí o direito
de forjar éticas e morais
(olhem lá, eu disse imorais?)
De mandar por nós no que só é nosso:
A nossa vida?!

Morrer bem não é morrer confessado
não é morrer ungido.

Morrer bem é morrer sem dor:
insofrido

eutanasiado.

Morrer feliz
não para ser ‘assumpto’
mas tão só para acabar aqui.

Doutor…
por favor…
Ajude-me…
a morrer bem…
Boa Morte…
Eutanásia…
Sim!…

António Marques
Pombal, Janeiro/2010

P.S.: [Actualização do trabalho e acrescentamento do seguinte] Já tinha este trabalho – prosa e verso – escrito há muito tempo, e mesmo colocado no blogue, quando li, na primeira página do DN de 14/02/16, o texto informativo sobre o tema – EUTANÁSIA – do qual, em tempo e com a devida vénia, se transcreve aqui o primeiro parágrafo:

“Morte assistida. Nos últimos anos, quatro residentes em Portugal puseram termo à vida com o apoio da associação Dignitas, com sede em Zurique, e duplicou o número de cidadãos nacionais que se tornaram membros da instituição. Duas dezenas pediram ajuda para morrer e estão à espera…” [cont. pp 4 e 5].

Comentário: “Excelente reflexão, que chegaria para definir a elevada craveira intelectual de qualquer pessoa” (Dr. Cândido Ferreira).

Arco da Velha, o Arco da Reinação: texto epigramático – 1

‘In hoc signo vinces’  
(Tradução literal: “com este sinal vencerás”, “com esta divisa – a cruz – vencerás”; palavras  dirigidas por Jesus Cristo ao Imperador Constantino quando marchava contra Maxêncio, segundo Eusébio de Cesareia, Vida de Constantino, 1–28).
(Tradução livre, adaptada à nossa vida política actual: “com  este sinal ganharemos” – as eleições, claro!).

O Arco da Velha ainda não sumiu?!…
Irrevogável?!..,  Arco da Reinação
virou à esquerda o sextante e… partiu!…
E os cacos do Velho Arco onde estão?…

Líder cunicular da Coligação
puxa do bolso e empunha uma cruz,
num  comício em dia cheio de luz!
(– Que, assim, atrai o Zé à votação!…)

Falta evocar alguém bem conhecido
que não reina nem governa mas quer ser
Presidente – com ou sem arco – do poder,
para recuperar o Arco  partido!…

Desde  o valente mergulho,  conhecido,
em água do Tejo, marulhada e fria,
enquanto rezava uma Ave-Maria
do seu terço diário, compungido…

Além dos ‘Direitos…’ da sua profissão,
há vinte e cinco anos,  o que faz e sente,
em tudo tem sempre a nervosa  tenção
da campanha (sua)… para Presidente.

António Ínsulo 
Pombal,  4/12/15

Os debates

QUEM VAI SER PRIMEIRO-MINISTRO? PASSOS? COSTA? SÓ?… E PORQUE NÃO HÁ-DE SER O JERÓNIMO?…

Eu, por mim, nem queria ver… OS DEBATES. Não queria mesmo!. Mas a mulher lá me bateu nas costas: “E porquê não? E porque não hás-de ouvir e ver? Etc. e tal!” E lá caí na esparrela: sentei-me no sofá a ver e a ouvir… “Promessas para aqui, não cumpridas.” “Promessas para ali, por cumprir, para não ter de cumprir”. Etc., etc., etc… “Porque eu prometo mas não cumpro…” “Porque tu não prometes para não ter de cumprir!” “Pois, porque estamos aqui é só para… debater! E se não debatermos, batem-nos”. Porque o programa é de debate não é de política! (Ou pulhítica?…) E um debate só pode ter um objectivo: ver quem ganha… o debate…, pois o que haveria de ser?!…

Então quem ganhou? Foi o Costa porque foi mais frontal e “varídico”! Foi Passos porque foi mais técnico e cínico! E o debate acabou!

Estás satisfeita, mulher?! Pronto, acabou o debate, já ninguém nos bate!… Agora, só falta ir às urnas e votar nos mesmos! Nos de antanho! Nos do Arco! Porque eles, agora, não vão prometer: vão cumprir o que não prometeram. Se eles não cumpriram o que prometeram, como vão eles cumprir o que não prometeram?! Mas que grande confusão! E o que é que poderá ser isto tudo senão uma “gandessíssima” confusão?! Mais do que isso: uma desgraçadíssima confusão! Vocês entendem? As mentiras? As meias-verdades que escondem as meias-mentiras? Tudo?…

Europa de hoje (União Europeia) e Europa dos tempos feudais: que diferença?

É na primeira página do DN de 14/07/15: aquela gargalhada dos três, entre os mandões maiorais do Eurogrupo, foto explicada em legenda sobreposta, na qual se vê, bem realçado, o riso alvar mostrando os dentes até bem ao fundo da garganta, de um tal senhor Djisselbloem. Para ficar mais completo o grupo, sentimos nós que falta lá pelo menos uma quarta gargalhante: a chanceler Merkel, pois claro. São estes, e mais alguns, os novos suseranos da Europa de hoje, União Europeia chamada (UE). Será então bem oportuno perguntar: entre os novos suseranos da Europa de hoje (UE) e os suseranos da Europa dos Tempos Feudais, que diferença?!

Querem vocês ver? Vejam:

Das quatro idades em que se costuma dividir a História Universal – Antiga, Média, Moderna e Contemporânea –, a Idade Média é, sem dúvida, a mais longa e, por ventura, a mais negra. Convém ver, numa boa enciclopédia, as seguintes entradas, sobre as instituições e principais aspectos característicos da Época Medieval, a saber: Feudalismo, Cruzadas, Inquisição, Escolástica (Filosofia serva da Teologia). Mas, vamos então ao

FEUDALISMO (de origem germânica). “Os reis bárbaros conseguiram êxito nas invasões graças sobretudo aos seus bandos de companheiros ajuramentados e dedicados. Em particular Clóvis (adrede baptizado cristão) deveu ao seu globus o domínio da Gália. E em breve toda a Europa era feudal [atentem ao radical globus]. O vínculo entre o vassalo e o senhor (suserano) é criado pelo juramento e os deveres originados do juramento exprimiram-se pela palavra obsequium. O vassalo, de joelhos e desarmado, punha as mãos unidas nas mãos do seu senhor e declarava-se seu homem por tal feudo; o senhor levantava-se, beijava-o na boca e depois o vassalo, de pé, prestava, sobre o Evangelho, o juramento de fidelidade a que correspondia da parte do senhor a investidura.” (Das enciclopédias).

Pergunta-se agora: o que é que falta a estes mandantes (na sua maioria nem sequer eleitos pelos vassalos, quanto mais pela legião de escravos dos pobres dos povos europeus!
– Sim, o que falta? O que é que falta?
– Apenas o rito, que é subentendido lá entre eles…

Então, voltemos ao princípio: Europa de Hoje (União Europeia (EU) e Europa dos Tempos Feudais. Que diferença?!…

O crucifixo com foice e martelo do presidente Morales

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É a imagem da primeira página do DN de 10 de Julho de 2015. O Papa Francisco olha muito sério para a prenda que lhe oferece o presidente Evo Morales, que logo pela figura toda a gente reconhecerá um Índio da Bolívia dos que ainda escaparam ao genocídio dos Índios pela América toda abaixo… Com o crucifixo, de foice e martelo, quererá ele certamente lembrar ao Papa que, afinal, o Cristianismo começou assim, misturando a cruz com o comunismo da sua vivência original…
– Não?…
Então abram, por favor, os Actos dos Apóstolos, primeiro livro da História da Igreja Cristã, (IV, 34,35):

“Entre eles não havia ninguém necessitado, pois todos os que possuíam terras ou casas vendiam-nas, traziam o produto da venda e depositavam-no aos pés dos Apóstolos. E a cada um era distribuído de acordo com a sua necessidade.” (Citado de O Socialismo e as Igrejas, Rosa Luxemburgo, 1905).

E eu, ao olhar para a imagem do jornal, nem sei o que mais admirar: se a coragem do presidente Evo, se o olhar, espantado e sério, do Papa Francisco. E sem mais delongas, quero deixar aqui expressa a minha grande admiração por este Papa, cuja coragem que tem mostrado chega e sobra para me convencer da sua grandeza, e o benefício da dúvida que lhe tinha dado no dia da sua eleição. Pois, melhor do que um ‘Bom Papa João XXIV’ que alguns esperariam, sai de lá um Papa Francisco, vejam só, que se está manifestando em cada dia que passa, ‘O Bom e Corajoso Papa Francisco’.

Coragem, Papa Francisco! Crentes ou não crentes, todo o Mundo lhe está dando a bênção que, na Praça de S. Pedro, logo nesse dia, depois da simplicidade do cumprimento – “buona sera!…” – se atreveu a pedir ao povo!…

“As reflexões de Paulo Rangel sobre Jesus e a política ‘são redutoras’ para Jaime Gama”

(Com a devida vénia, de:)
“Ensaio” (Margarida Gomes, Público, 19.06.2015, p. 8, a propósito do livro de Paulo Rangel Jesus e a Política: Reflexões de um Mau Samaritano, escrito e publicado em homenagem ao pai).

“Eurodeputado considera ‘importante perceber que o cristianismo sempre defendeu a separação entre religião e política’.

“Ao contrário do que acontece, por exemplo na Alemanha ou em Inglaterra, onde se discutem todos os temas, em Portugal o debate sobre a religião é pobre e o eurodeputado considera “importante perceber que o Cristianismo sempre defendeu, desde a sua origem, a separação entre a Igreja e o Estado ou entre a religião e o poder político”.

“Toda a sua reflexão teve por base os quatro evangelhos e Jesus Cristo e Jaime Gama, que Rangel convidara para apresentar o livro, não perdeu de vista este aspecto e aproveitou para dizer que “é preciso fazer uma leitura mais abrangente de Jesus”, o que, na sua perspectiva, proporciona uma análise diferente sobre os evangelhos e a sua relação com a política. Não me parece que seja relevante ter má consciência evangélica em termos da política”

Agora, o meu comentário aos ‘desconhecimentos’ (eufemismo de ‘ignorância’…) de alguns políticos. Como é que gente grada (e tão política!), que tinha obrigação de saber História – da Europa, Universal e, daí, do Cristianismo – como é que esta gente revela tanta ignorância, sobretudo desta última: a do Cristianismo?! E não sabem (ou fazem de conta que não sabem?) que esta religião, o Cristianismo sim, cruelmente perseguida e martirizada nos três primeiros séculos da era cristã, foi, no final do século III, tornada, por Constantino, a religião oficial do Império, e por ele elevada à Sumidade do Pontificado, revestida da púrpura imperial, na cabeça as mitras e nas mãos o poder político imperial – tudo como os Pontífices do Império – a partir de finais do século III, a Igreja Cristã passou de perseguida a perseguidora e durante uns dezasseis ou dezassete séculos perseguiu, de guerra, de matança ou de fogueira, tudo quanto fosse heresia ou herege, ou contrariação da doutrina definida em concílios sob protecção do Imperador e, depois, dos detentores do poder político, que “lhe” vinha, directamente, de Deus!…

Começando logo, após o concílio niceno-constantinopolitano (não esqueçam: convocado pelo próprio Imperador, não, ainda baptizado. E se calhar nunca o chegou a ser…) – começando logo, dizia eu – com os arianistas do ‘filioque’ desse concílio. Depois, os cátaros (ai os cátaros! Os puros!…). Depois os albigenses! Depois, os luteranos e seus derivados! Todos! Tudo o que fosse heresia ou herege. Por aí adiante, até ao século XVIII. Pelo menos!…

Com que então, meus caros senhores, “o Cristianismo sempre defendeu, desde a sua origem [vejam bem: “sempre, desde a sua origem”!…] a separação entre a Igreja e o Estado ou entre a religião e o poder político”?!

Mas… a História diz-nos, sem rebuços, que, desde Constantino até bem perto do fim do século XVIII, foi exterminar, foi queimar, foi matar!… Que o diga (ainda…) António José da Silva, “O Judeu” – ele, sua mulher e sua mãe – que foram dos últimos a serem queimados no Rossio de Lisboa, em pleno auto-de-fé, pela Santa Inquisição. E Bocage, que, quase no final do séc. XVIII, pouco lhe faltou para o fazerem também arder!…

“São precisos adultos na sala”

Eurogrupo falha e destino da Grécia passa para os líderes da zona euro” (Público, 19.06.2015, grande título a toda a largura da 1ª página).

Cimeira extraordinária de segunda-feira pode ser última oportunidade para evitar falta de pagamento da Grécia ao FMI no fim do mês. Lagarde diz: “são precisos adultos na sala” (subtítulo a toda a largura da mesma 1ª página; destaque, pp. 2 a 4).

Só três questões.

Primeira pergunta: isto quer dizer, Senhora Lagarde, que na reunião do Eurogrupo de ontem não estiveram “adultos na sala”?…

Segunda pergunta: suspeitará a Senhora Lagarde que, na próxima
segunda-feira, não vai haver “adultos na sala”?

Terceira e última: não será isto um insulto aos líderes do Eurogrupo?…
Na minha aldeia, de um grupo em que não há adultos (= gente séria, razoável, justa), diz-se que é uma garotada

“Não ver o que nos entra pelos olhos dentro”

Ante-scriptum. – No comment. Com a devida vénia, permito-me transcrever aqui outra crónica de Ferreira Fernandes (DN de Sábado, 7/3/15, última página), a qual, sem comentários, eu logo subscreveria. (Não me leve a mal que eu escreva a sua crónica com a ‘minha’ ortografia…). Aí vai então:

Não ver o que nos entra pelos olhos dentro.

Jacques Attali, antigo conselheiro do presidente François Mitterrand, tem um blogue no site da revista francesa L’Express, em que se edeu como missão alertar a Europa para a prioridade dela. A palavra, prioridade, é fundamental para quem quer fazer política e não é todo-poderoso, como é o caso, cada vez mais grave, da Europa. Esta tem cada vez menos recursos para se impor e cada vez menos percebe o que lhe acontece. – descobrir a sua prioridade é de urgência dramática.

Diz-se que Constantinopla discutia o sexo dos anjos quando estava cercada pelos turcos. Os habitantes gostavam desses temas bizantinos (de Bizâncio, outro nome da cidade), já antes haviam discutido o mês exacto em que a alma descia ao feto (e discutia-se com minúcia, as almas masculinas chegavam semanas antes das femininas). Então, no ano de 1453, Constantinopla fervilhava sobre a magna questão, anjos com pilinha ou não, quando lhes aconteceu a definitiva entrada de turbantes pelas muralhas dentro. Os cristãos do Oriente não souberam estabelecer a prioridade e, como poder, desapareceram.

A Europa cristã comoveu-se muito com o acontecido, mas a verdade é que não fez grande coisa para salvar Constantinopla. E com isso não se quer dizer que todos tivessem, naquele exacto ano do fim, 1453, escolhido mal a prioridade. Os reinos cristãos ibéricos, por exemplo, preferiram resolver o problema interno na Península, reconquistar os reinos mouros, em vez de partir para uma aventura perdida. Quando caiu, Constantinopla tinha sete mil soldados. Estava cercada por mais de cem mil soldados e cavaleiros otomanos, que se permitiam ter mais músicos – com instrumentos para assustar – do que os sitiados tinham de homens com armas. Os cristãos do Oriente tinham passado um milénio a delapidar o Império Romano do Oriente.

Hierarquia de coisas a fazer – saber da tal prioridade – é o que defende Jacques Attali, para a Europa, hoje: e não, não é atacar Vladimir Putin. Sim, a Rússia não é democrática, mas também não o é a Ucrânia. E se aquela é uma região em pré-guerra galopante, a Europa não deve meter-se na aventura nem escolher um lado. Ou melhor, o seu lado é tentar desfazer o seu tempo errado a acirrar o mais fraco, a Ucrânia, mesmo quando esta prometia o disparate de proibir as minorias russas de falar russo. Se há política europeia a ter para aquela região, é lembrar que a Rússia é também europeia. E recuperá-la para essa causa histórica e cultural é tanto mais importante porque a Europa tem, essa sim, uma prioridade: combater o inimigo, o radicalismo islâmico.

Se a Europa se der conta desta obviedade que nos entra todos os dias pelos noticiários dentro, percebe que precisa da Rússia como aliada (e a Rússia da Europa). Na região fulcral do islamismo, a América, arrastando a Europa, age como uma barata tonta: ora está com a sunita Arábia Saudita, ora inverte o poder no Iraque, dando-o aos xiitas; em meses, EUA, França e Reino Unido passam do discutir sobre como bombardear o governo sírio, aliado dos xiitas, para combinar com ele como combater o sunita Estado Islâmico… Não, desta vez não é o imperialismo ocidental que baralha e instiga os seus títeres locais. Enfim, tenta fazê-lo, ao sabor dos seus imediatos interesses petrolíferos, mas desta vez é mesmo tontice de barata que perdeu o controlo dos acontecimentos. O barril de petróleo tornou-se autónomo, movido pelo explosivo barril de pólvora religiosa. A guerra aberta que as duas correntes xiitas e sunitas travam entre si para recompor as forças na Península Arábica é assunto de gerações e traçará novos mapas. E são elas, não nós, que vão decidir os desfechos, não só ali mas em todo o mundo islâmico.

Entretanto, o fanatismo religioso trata de nos mostrar o cariz mais chocante dessa guerra – o culto da morte (agora potenciado pela capacidade de demonstração e divulgação dos vídeos na net), o culto da aniquilação do outro (incluindo a história que esteja fora do seu nicho religioso) e o desprezo pelas mulheres. Cada degola, cada estátua destruída e cada burka deveriam mostrar à Europa quem é o inimigo.

Mas quase reduzida já à ninharia dos seus “sete mil soldados”, a Europa ainda nem se deu conta da sua prioridade. O inimigo da Europa, hoje, é o radicalismo islâmico. Tudo o mais – incluindo as necessariamente boas relações com os islâmicos – deve ter em conta esse facto.”

[Destacado entre colunas]:

“Cada degola, cada estátua destruída e cada burka deveriam mostrar à Europa quem é o inimigo, o radicalismo islâmico”

A gravata/prenda do senhor Renzi

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Tenho aqui à minha frente, na primeira página do DN de 4/02/15 (http://www.dn.pt/inicio/globo/interior.aspx?content_id=4379894), a imagem onde se pode ver o senhor Renzi, brincalhão, a oferecer ao senhor Tsipras uma gravata de seda, imagem explicada na legenda:

“Matteo Renzi, primeiro-ministro italiano, não resistiu. O chefe do governo grego recebeu a gravata, e prometeu usá-la quando for encontrada uma ‘solução viável’ para a dívida da Grécia”.

Um gozão, este senhor primeiro-ministro, também de um país pobre da pobre Europa… Eu acho que o gesto do senhor Renzi, sendo ambos primeiros-ministros de países da Europa Pobre do Sul, merecia outra atitude/resposta do destinatário da brincalhona prenda. Por exemplo:

“Obrigado Colega, mas não devo aceitar a brincadeira, ou, então, tenho uma proposta que poderia tornar a brincadeira em coisa séria (não sei como se diz em italiano, mas nós, pobres da Grécia, como penso que os de todo o mundo, temos um ditado ao nosso caso pertinente: ‘Com coisas sérias não se brinca!’… Mas uma proposta que parece pertinente. E é simples. Podíamos juntar a esta, muitas gravatas de seda, promover uma campanha de aquisição de gravatas de seda e outras gravatas de alto valor, sobretudo entre os nossos irmãos ricos da Europa do Norte, fundarmos uma fábrica de transformação de gravatas de seda em papel de seda, com finalidades sobretudo higiénicas; e assim, com o produto (qual o rico que não gostaria de usar papel de seda?…), ajudarmos a resolver a dívida dos nossos países pobres…”

Assim, sim! Prometer usá-la é que eu não acho que seja lógico, dada a condição em que se encontram os nossos países da POBRE EUROPA DO SUL!…