EUTANÁSIA (1)

SENHORA DA BOA MORTE – SENHORA DA EUTANÁSIA

Assumpta est Maria in coelum. Assim se regista na liturgia católica o milagre, o mistério, o dogma da assunção de Maria (assumptio Mariae). E se bem considerarmos, todos os  grandes momentos de Maria são ‘milagrosos’ e como tais celebrados: na liturgia, no calendário e na dogmática: concebida sem pecado (imaculada Conceição, (concepção) – Immaculata Conceptio Mariae); virgem antes, no e depois do parto, ‘assumpta’ ao céu (dogma definido pela ‘infalibilidade’ de Pio XII em 1950, baseado em dois argumentos: já o povo a celebrava há muito tempo, documentos duvidosos só a partir do séc. V; a sua dignidade de Mãe de Jesus só lhe podia dar direito a uma morte assim: morrer sim, de qualquer forma tinha de morrer, pois também o filho morreu; mas logo levada em corpo e alma – assumpta (para o Céu…). É daí que vem a Senhora da ‘Boa Morte’, ou seja (recorrendo ao grego) a Senhora da ‘Eutanásia’. Estão a ver a eutanásia no dogma cristão? Não com esse nome que poderia ser suspeito, claro…

“Eutanásia (do grego euthanasia) morte sem sofrimento, morte bela, morte feliz” É o que diz o Lello Prático Ilustrado, 1981: “ Mas vejamos como a Enciclopédia Diário de Notícias, Círculo de Leitores, mais recente, já impregna o conceito, de ética, mesmo de moral, de que se reservam  o  direito de propalar para que ninguém cometa esse pecado horrendo (?!…) (Vejam bem: uma morte feliz, sem dor, uma boa morte pode ser pecado…, pecado horrendo!…); e  que, como tal, indirectamente, se julgam no direito de pregar. Vejam o ‘sermão’ da dita enciclopédia: “Eutanásia, s. f. [sem etimologia]. É a acção de pôr termo voluntariamente e de forma indolor à vida de uma pessoa. Condenável moralmente, a eutanásia activa, não o é, porém, a eutanásia passiva ou ortotanásia, que consiste em pôr termo ao prolongamento artificial da vida humana reduzida já ao estado meramente vegetativo, e sem esperança alguma de recuperação”. É óbvio que este discurso (ou sermão?) da Enciclopédia serve às mil maravilhas para os que, na Assembleia da República ou na sociedade civil, se haverão de opor sem dúvida à eutanásia, à morte ‘feliz’ a que todos nós temos direito; à boa morte, estão vocês a ver?, À eutanásia.

Sim, porque, etimologicamente – eutanásia [do gr. ‘euthanasia’, morte ‘doce e fácil’, pelo lat. euthanasia, ‘id’, pelo fr. ‘euthanasie, ‘eutanásia’ (Dic. Porto Editora 2003)’quer dizer isso mesmo, ‘boa morte’, dado que o sufixo grego ‘eu’ significa: bom, saudável, fácil, feliz; o elemento thanasia deriva de thanatos (=morte). Se consultarmos o Grande Vocabulário da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, Círculo de Leitores, lá encontraremos cerca de 500 vocábulos em que entra esse prefixo ‘eu’, muitos, do vocabulário da medicina. Só alguns exemplos: euforia: sensação fisiológica de bem-estar; eucalipto: boa sombra (árvore da boa sombra, de sombra saudável); eufemismo: suavização de uma expressão ou de uma ideia dura ou desagradável;  eufonia: suavidade ou elegância na pronúncia; eugenia (boa geração), Eugénio (bem  gerado), eupneia: facilidade de respiração, etc., etc. E, portanto, EUTANÁSIA.

Eutanásia, pois. Ora, se os crentes de grande parte das religiões crêem que só Deus (ou deus, ou os deuses) é (são) senhor(es) da vida e da morte, isso é lá com eles, que acreditem e ajam em conformidade. O que não têm é o direito de negar aos descrentes, aos ateus, a quem quer que seja, a todos, o direito de pensar e agir também em conformidade com a sua descrença; e até mesmo aos crentes num Deus que seja misericordioso e bom para com as suas criaturas, fazer evoluir o seu pensamento no sentido de que mesmo Deus não se deverá opor a que os mortais tenham morte ‘doce e feliz’ segundo a vontade (ou a possibilidade…) de cada um.

Porque a vida é nossa. Porque a minha vida é minha. Por isso ela poderá não depender de um deus cruel, ou de uma cruel sociedade, amantes do sofrimento dos outros (sadismo); ou amantes do próprio sofrimento (masoquismo); ou de uma coisa e da outra (sadomasoquismo). Não podemos esquecer que a mentalidade das sociedades sobre a morte assenta em lendas e mitos. Já ninguém poderá ter medo do inferno pela simples razão de que já ninguém crê no inferno. E quem é que acredita ainda no juízo final? Ou em outras coisas míticas ou lendárias assim, que radicam todas nas antigas  mitologias fantásticas?

E assim teríamos a eutanásia [a boa morte], nas leis e na vida, ou seja, no fim da vida.

Isto quer dizer o quê? Quer dizer que milhões e milhões de seres humanos, condenados a sofrer por tempo desmedido os desmesurados e horríveis sofrimentos que lhes causam as suas maleitas incuráveis, os seus tumores malignos, cancros e tantas outras em que os pacientes não podem morrer, devendo, por imperativos religiosos, morais e éticos (a que são alheios), suportar a dor, a dor atroz, a dor cruel, ‘doença prolongada’ por anos e anos, até que Deus (vejam bem: Deus!…) se digne, na sua ‘infinita misericórdia’, conceder por especial favor o ‘golpe de misericórdia…’. E os crentes aceitam! E os não-crentes?

Os crentes e os não crentes, quer queiram quer não queiram, quer creiam quer não creiam, estão sujeitos a ter de suportar essa ignomínia (isto sim é ignominioso!), porque essas comissões de ética constituídas por crentes, beatos e masoquistas, acham que o paciente só tem que aceitar sem protesto, resignadamente, pelos seus pecados que não têm (e mesmo que tivessem), mas que lhe atribuem.

E as sociedades, e as culturas, impregnadas dessas mistificações irracionais, dão pareceres, fomentam legislação, obrigam a medicina e seus profissionais a constrangerem-se, esses sim, até à ignomínia, sem  misericórdia nem humanidade!

[Eutanásia?! Anathema sit!(?!…]

Ode à Boa Morte
Assumpta est Maria in coelum
(Da liturgia )

Começa-se aqui por uma prece virtual
à senhora virtual da boa morte
à senhora virtual da eutanásia
que ninguém acredita já
além de crentes ou crédulos
que assumpta tivesse sido
assumpta est Maria in coelum
ou sabe-se lá bem para onde…

Queremos a boa morte, ‘doce e feliz’.
para sermos felizes antes dela
aqui, onde a natureza nos pôs,
no dia-a-dia da nossa vida.

Da nossa vida, ouviram bem!

Se a ciência inventou a anestesia
para precaver o sofrimento
porque haveremos de cultivar a dor?!
A vida é nossa, a dor da natureza.
A ciência não é deus
mas pode mais do que a crença nele.

Queremos ser menos infelizes
e assumir o direito que nos assiste
o direito à ‘morte feliz’
o direito à ‘boa morte’!
Direito divino? positivo?
ou qualquer outro que tenham inventado?…

É claro que não! Sim, o direito natural!

Antes que a dor insuportável nos traga o desespero,
temos direito à Boa Morte!
temos direito à Eutanásia!!

Não me venham cá com mitos e fantasmas
como se ditados fossem
da ciência ética
ou de algum Deus
ou de algum deus
que a sê-lo só pode ser sádico!

A vida que nos deram a Natureza e o Acaso
desde a mãe que nos pariu,
agora, é nossa!

Podemos dispor dela:
por nós próprios
ou pedindo ajuda, socorro, eutanásia
a nosso belprazer
quando nos prouver.

Quem se arroga por aí o direito
de forjar éticas e morais
(olhem lá, eu disse imorais?)
De mandar por nós no que só é nosso:
A nossa vida?!

Morrer bem não é morrer confessado
não é morrer ungido.

Morrer bem é morrer sem dor:
insofrido

eutanasiado.

Morrer feliz
não para ser ‘assumpto’
mas tão só para acabar aqui.

Doutor…
por favor…
Ajude-me…
a morrer bem…
Boa Morte…
Eutanásia…
Sim!…

António Marques
Pombal, Janeiro/2010

P.S.: [Actualização do trabalho e acrescentamento do seguinte] Já tinha este trabalho – prosa e verso – escrito há muito tempo, e mesmo colocado no blogue, quando li, na primeira página do DN de 14/02/16, o texto informativo sobre o tema – EUTANÁSIA – do qual, em tempo e com a devida vénia, se transcreve aqui o primeiro parágrafo:

“Morte assistida. Nos últimos anos, quatro residentes em Portugal puseram termo à vida com o apoio da associação Dignitas, com sede em Zurique, e duplicou o número de cidadãos nacionais que se tornaram membros da instituição. Duas dezenas pediram ajuda para morrer e estão à espera…” [cont. pp 4 e 5].

Comentário: “Excelente reflexão, que chegaria para definir a elevada craveira intelectual de qualquer pessoa” (Dr. Cândido Ferreira).

Arco da Velha, o Arco da Reinação – 6

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PRESIDENCIAIS – A CAMPANHA

“O CORVO E A RAPOSA

É fama que estava o corvo
Sobre uma árvore pousado
E que no sôfrego bico
Tinha um queijo atravessado.

Pelo faro, àquele sítio
Veio a raposa matreira,
A qual, pouco mais ou menos,
Lhe falou desta maneira:

– Bons dias, meu lindo corvo;
És glória desta espessura;
És outra fénix, se acaso
Tens a voz como a figura.

A tais palavras, o corvo,
Com louca, estranha afouteza,
Por mostrar que é bom solista
Abre o bico e solta a presa.

Lança-lhe a mestra o gadanho
E diz: – Meu amigo, aprende
Como vive o lisonjeiro
À custa de quem o atende.

Esta lição vale um queijo;
Tem destas para teu uso.
Rosna então consigo o corvo
Envergonhado e confuso:
– Velhaca, deixou-me em branco;
Fui tolo em fiar-me dela;
Mas este logro me livra
De cair noutra esparrela.

Manuel Maria Barbosa du Bocage”

Fábula. “S. f. (lat. fabula. Pequena narrativa, conto, apólogo, geralmente em verso, contendo lição moral sob o véu da ficção: as fábulas de Esopo. Mitologia: os deuses da Fábula (com maiúscula neste caso). Narração de coisas imaginárias; ficção; mentira: isso é fábula. Entrecho ou urdidura de romance, poema ou drama.” (Dicionário Prático Ilustrado, Lello).

Para esta obra-prima em verso que aqui se apresenta, foi o nosso genial Bocage buscar o tema ao mais famoso fabulista grego que há muito se estuda nas escolas, tendo sido tomada, através dos séculos, pelos mais célebres fabulistas conhecidos: o grego Esopo, o latino Fedro, o francês La Fontaine, outros e outros, incluindo, é claro o português Bocage. Quem, no meu tempo de garoto, aprendendo latim ou português, não sabia de cor o célebre poema de Bocage? “É fama que estava o corvo / Sobre uma árvore pousado / E que no sôfrego bico / Tinha um queijo atravessado.[?]

Esta fábula, como narrativa que é, tem, naturalmente, uma história (uma historíola), personagens, acção, diálogo e conclui com uma lição moral, expressa ou apenas sugerida.

AQUI E AGORA – Aplicação política.
Tratando-se de um género literário de ficção, tudo na história narrada tem um profundo e sempre actual sentido simbólico. Aproveitemos o estro do nosso grande Bocage que, tão magistralmente versificada, traduziu, vindo dos fundos clássicos de Esopo, certamente através da bela versificação francesa de La Fontaine, a célebre fábula O Corvo e a Raposa. Vamos aqui, todos juntos, caros deparantes de acaso ou adrede visitantes, proceder a uma breve análise de aplicação ao nosso caso político, aqui e agora, nesta campanha para as eleições presidenciais 2016, que estão à porta. Aqui e agora, antes que seja tarde!

Antes de mais, leiam, caros amigos, mais uma vez, a dita fábula e imaginem, no lugar do corvo, lá empoleirado no seu ramo, segurando bem apertado, no seu bico guloso, todo impante e babado, o seu gostoso queijo, não viesse por ali algum bicho esfomeado que, num acrobático salto, lho pilhasse. Podemos mesmo imaginar que esse Corvo, considerando-se seguro do seu acepipe, representará todos os ‘corvos’, ‘corvinhos’ e ‘corvões’ deste País que tivessem de dar um bocado do seu ‘farnel’ aos seus irmãos esfomeados e sem processo de conseguirem para si um bocadinho de queijo (ou do que fosse para matar a sua fome… ), ignorantes, também eles, do perigo e da insegura situação. E mais ainda: da sua altivez e da sua lisonjeada vaidade de cantores afamadamente imaginados…

Eis senão quando, todos (ou quase todos…) a cantar ‘corvicamente’ (aquilo devia ser um encanto!…)… caem os queijos, um a um , na quadrícula do RAPOSÃO que, num ápice, só se ouve dizer:

“Guapo! Guapo!
Olhem pra esta gente!
Já cá canta no papo!
Eu já sou PRESIDENTE!…”

António Ínsulo
Pombal, 12/01/2016     

Arco da Velha, o Arco da Reinação: texto epigramático – 5

Invocação (de escárnio) à Nossa Musa Natália

Nossa querida Natália,
Vem por aí, de ‘repente’,
Fazer a tua ‘farsália’
A um tal ‘já Presidente’!

Que antes de ser já o era
(Com seu tercinho na mão!):
Rezava na Primavera
E comentava no Verão…

Anda, Correia Natália,
Como fizeste ao Morgado…
Ele fica todo contente
E o povo, muito obrigado!

Mas, se podes e bem te apraz,
Em ‘Escárnio’ (que já é velho…),
Junta-lhe o Paulo sagaz
E mais o outro – o Coelho…

Assim fica a troika feita,
Ó Musa de Maldizer.
E assim temos Presidente
Muito antes mesmo de o ser!…

António Ínsulo
1 de Janeiro de 2016

Arco da Velha, o Arco da Reinação: texto epigramático – 4

Agora sim, vamos ao

Epigrama*

De modo nenhum, não!:
quanto mais lá vão
às cafurnas
(dos estádios,
dos estadiões)
menos votarão
nas urnas
dos ‘Sábios’
(ou dos Sabichões!…)

Ó Povo da minha Terra,
Tem cautela!
Ó Povo do meu País,
Não te fies|
Nessas sondagens de tigela!
Quanto mais católica for ela,
Vê lá tu bem!
Não caias tu na esparrela!
Isso não são sondagens:
são apelos!
Atropelos!
Cotovelos
Ritornelos
De Marcelos
Que já são antes de ‘sê-los’

Pensa, pensa!
Pela tua cabeça!

O melhor não é
O que se diz que é!…

E menos ainda aquele
Que se diz que já é!…

Pensa! Pensa!
Pela tua cabeça!

———————–
* Gr. epigramma, pelo Lat. epigramma: poesia breve e satírica; dito mordaz e picante (Dos dicionários).

Nota final: “Quanto mais cristões mais ladrões”!? (ver postagem anterior). Até o “Papa Francisco promete acabar em 2016 com as doenças da Igreja” (in DN, 12/12/15, primeira página, com a legenda: “No encontro de Natal com os funcionários do Vaticano, o papa Francisco voltou a pedir perdão pelos escândalos da Igreja”).

Arco da Velha, o Arco da Reinação: texto epigramático – 3

Campanha / Sondagens / Sondageiros(as) / Sondagices / ‘Sondageado(s)’

A) Com a devida vénia, se transcreve aqui um parágrafo da coluna ‘Jogos de futebol marcados para o dia das eleições presidenciais’:

“Em matéria de campanha, as críticas de Marcelo aos gastos de campanha fizeram ontem ricochete, com Mariza Matias a lembrar que o ex-líder do PSD [Marcelo, claro] “durante mais de 10 anos pago para fazer campanha [ via comentários televisivos] e para promover a sua agenda ao lugar que queria concorrer”: ser presidente”. (in DN 30/12/15, p. 13).

Mas não bastaria andar meses, anos seguidos ‘oficiando’ a tal missinha na TVI depois do Jornal das oito, ‘campanhando-se’ (passe o neologismo…), e, depois, gabarolando-se como se a presidência já lhe estivesse no papo (passe agora o populismo…).

E então as sondagens? Não lhe dão, já, a coisa no papo?| Pois é mesmo por causa das sondagens que venho aqui. O que são as sondagens? Que credibilidade nos podem merecer as sondagens? As sondagens, meus caros amigos, são construções opinativas, cientificamente elaboradas, supostamente a pedido do ‘sondageado’, não para ‘sondar’, para ‘estimar’, para ‘predizer’, para ‘profetizar’… o resultado da votação; mas sim para ‘fazer a cabeça dos que hão-de votar, para que ponham a cruz eleitoral lá na quadrícula daquele que eles pretendem seja o eleito. E, quanto mais ignorante e mais crédula é a massa do eleitorado, mais votos terá o ‘sondageado’… Ou então, quanto mais universitária e católica seja a sondageira, mais certeira poderá ser a ‘sondagice’.

E é assim que, muitas vezes, a sondagem dá com o(s) eleito(s) sondageado(s)…

Por isso, Povo do meu País, tem cuidado! Não votes nos que são dados como eleitos, mas sim naqueles que, pela tua cabeça!…, consideres mais digno(s) da tua votação! Mas, já agora, só uma pergunta que nos sugere o título da coluna: Porque se marcam os jogos de futebol para os dias das eleições? Acham vocês que é por acaso?…

– Não:
De modo nenhum, não!:
quanto mais lá vão
às cafurnas
dos estádios
(ou estadiões?…),
menos votarão
nas urnas
dos ‘Sábios’….
(ou dos ‘Sabichões!…)

B) Aforismo estranho.

A propósito das sondagens da Católica.

Nas minhas andanças por terras deste Pombal, encontrei um dia um popular idoso que saiu de lá (da sua longa e antiquíssima sabedoria) com este espantoso e misterioso aforismo: “Quanto mais cristões mais ladrões!!” E, estupefacto, pus-me a pensar: “cristões!…” Será este um aforismo vindo do tempo dos Mouros, derrotados aqui (precisamente aqui, a zona mais crítica entre os Cristãos do Norte e os Mouros do Sul, e o dito aforismo terá sido criado e usado pelos Mouros, vencidos, da Reconquista?… Vejam vocês: ‘cristões’! – sic).

António Ínsulo
Pombal, 2/1/2016

Arco da Velha, o Arco da Reinação: texto epigramático – 2

1. Ante-scriptum

Eu intentava fazer um epigrama favorecendo a rima em ‘elo’… Ainda me chegou a vir, vejam bem, ‘Marcelo’. Mas em toda a comunicação social, em todos os jornais que tinha à mão, só encontrei Marcelo… Marcelo… e nada mais: só Marcelo… Foi então, que de repente (vejam vocês o que é a inspiração!) veio-me uma ideia que achei brilhante: mas porque é que um epigrama há-de ter rima? E, mais ousado: mas porque é que um epigrama tem de ser em verso? E então, atirei para a estante o Dicionário de Rimas de Costa Lima, e aí vai, pois, um “texto epigramático” (direi eu), mas, desta vez, em prosa! Que mo relevem os normativos em géneros literários!…

2. Scriptum

Como fica dito no ante-scriptum, andava eu à procura de palavras em ‘elo’, para rimarem neste meu dito epigrama: ‘elo’, ‘elo’, ‘elo’, e (atrevo-me a dizê-lo), em boa verdade, vinham-me constantemente à lembrança muitas e variadas palavras terminadas em ‘elo’ (martelo, cogumelo, marmelo…), mas na sua maioria não eram lá muito dignas; algumas delas chegavam mesmo a roçar a indignidade, e de forma nenhuma me atreveria a usá-las neste texto que presumo ser sério…

E vai daí, pedi socorro a uma pequena parte da Comunicação Social que eu considero isenta e mesmo séria. Por exemplo, transcrevo [com a devida vénia] umas boas linhas da crónica O Presidente pescada, de Paulo Baldaia (in DN 13/12/15, p.9):

“Marcelo Rebelo de Sousa, que antes de ser Presidente (eleito) já é Presidente (assim visto pela maioria dos políticos, dos jornalistas, dos outros candidatos e das sondagens) parece a pescada que antes de ser pescada (pelo pescador) já era pescada (de nome). O que hoje diz Marcelo conta mais do que diz qualquer outro candidato e iguala o que diz o Presidente ainda em funções. Como se tivéssemos dois presidentes, o que está e o que vai estar.” [15 primeiras linhas do 1º parágrafo].

E ainda da mesma crónica:

“Nas presidenciais que terão lugar no dia 24 de Janeiro de 2016, só dá Marcelo Rebelo de Sousa. Para os candidatos das esquerdas, o handicap são as fracas intenções de voto com que estão na pré-campanha […]. O comentador Marcelo que disse na TVI há muitos meses que um candidato da direita só ganhava presidenciais à primeira volta, é o verdadeiro director de campanha do candidato Marcelo. Em português diríamos que é um homem só, mas é na expressão inglesa one man show que melhor se percebe porque consegue Marcelo apresentar-se como independente. Ele basta-se a si próprio. […] [ DN 13/12/2015, p. 9].

3. Missa na TVI (Telejornal das oito)

Quantos anos durou a celebrada pré-campanha (sua, está claro) na missa da TVI, depois do telejornal das oito? Quantos anos? Missa do domingo, sempre vale mais do que o tercinho diário… E assim, devoto, é que a gente quer um Presidente! Um único oficiante, acolitado por uma menina-do-coro angélica, em que, se oficiante diz mata, a menina-do-coro, angélica, diz esfola… E as assistentes, mulheres mais ou menos piedosas dizem ‘à-mãe’, porque o homem diz muito e bem, como lhe convém. Prova de tal tive-a quando há dias entreguei um epigrama e várias me disseram: mas olha que ele fala muito, fala bem, melhor do que o vendedor de banha!… Depois, como é muito católico, a gente gosta muito. Não, não sei, em quem votarei. (Olha, está-me querendo sair o epigrama em verso!…).

 

António Ínsulo
Pombal, 15/12/2015

Arco da Velha, o Arco da Reinação: texto epigramático – 1

‘In hoc signo vinces’  
(Tradução literal: “com este sinal vencerás”, “com esta divisa – a cruz – vencerás”; palavras  dirigidas por Jesus Cristo ao Imperador Constantino quando marchava contra Maxêncio, segundo Eusébio de Cesareia, Vida de Constantino, 1–28).
(Tradução livre, adaptada à nossa vida política actual: “com  este sinal ganharemos” – as eleições, claro!).

O Arco da Velha ainda não sumiu?!…
Irrevogável?!..,  Arco da Reinação
virou à esquerda o sextante e… partiu!…
E os cacos do Velho Arco onde estão?…

Líder cunicular da Coligação
puxa do bolso e empunha uma cruz,
num  comício em dia cheio de luz!
(– Que, assim, atrai o Zé à votação!…)

Falta evocar alguém bem conhecido
que não reina nem governa mas quer ser
Presidente – com ou sem arco – do poder,
para recuperar o Arco  partido!…

Desde  o valente mergulho,  conhecido,
em água do Tejo, marulhada e fria,
enquanto rezava uma Ave-Maria
do seu terço diário, compungido…

Além dos ‘Direitos…’ da sua profissão,
há vinte e cinco anos,  o que faz e sente,
em tudo tem sempre a nervosa  tenção
da campanha (sua)… para Presidente.

António Ínsulo 
Pombal,  4/12/15

Ao(s) sábio(s) da ‘Real’ Academia das Ciências de Lisboa

NO DESERTO: AVESTRUZES, WELWITSCHIA MIRABILIS, MIRAGENS E UMA INOCENTE PERGUNTA

Imaginem vocês, há tanto tempo que ando com ela ferrada na cabeça, e só nesta quarta-feira – 18/11/15 – me deu para verificar a ortografia usada na crónica do habitual cronista dessa página, Adriano Moreira (vide DN dessa data, pp 12 e 13). E, tendo-me alguém chamado a atenção para o caso, qual não foi o meu espanto ao confirmar que Adriano Moreira, presidente (que é ou que foi) da ‘Real’ Academia das Ciências de Lisboa, instituição oficialmente responsável (ou geralmente considerada como tal, desde que me lembro) por velar pela língua portuguesa, incluindo a ortografia, que, afinal, esse Sábio usa, no seu português escrito, o tal ‘acordês’, ou por outra, “essa coisa obscena chamada Acordo Ortográfico” (Vasco Graça Moura). Fui ler então A nave dos loucos. E, verdade se diga, quanto às tais ‘consoantes ditas mudas do Acordo (AO90, claro), encontrei nesta crónica por oito vezes só e apenas uma: o c antes do t – projeto, objetivos, afeto, perspetiva, atualidade, tática, objetivos, projeto. Mas não vou acabar este parágrafo sem referir que há muito tempo trago por aqui no computador um trabalhinho precisamente chamado ‘As tais consoantes ditas mudas do Acordo’ e que, se tiver vida e saúde e mo permitir a disposição, há-de ainda um dia destes aparecer aqui no blogue. Deparantes de acaso ou adrede visitantes, não percam a esperança...

[Chegada a 4ª-feira seguinte, 25/11/15, pude verificar os 5 exemplos de consoantes mudas nessa crónica: adjetivação, objetivos, fatores (será muda, esta?… escutem bem: factores ), protecionismo (e esta?… proteccionismo), atos].

Mas então porquê aqueles temas do sub-título que trazem consigo a evocação do Namibe? Pois. Lá iremos. Foi no Liceu Adriano Moreira,(notem bem!), em Moçâmedes, que iniciei, na Angola de então, a docência: 1 turma de Português (3º ano) e outra turma de Latim (11º). Um dia, com mais três compinchas, combinámos ir por ali abaixo até ao Deserto do Namibe. No meu ‘2 cavalos’, pois claro. Eis senão quando– a maravilha! – parados na estrada, verificámo-nos cercados de “água” por todos os lados, como se estivéssemos rodeados por um grande lago à nossa volta. A toda a volta, a vegetação se reflectia para baixo à superfície da “água”… E ali ficámos um bom bocado, embevecidos pela ilusão das miragens!… Mais para baixo, já no deserto, as avestruzes corriam por cima da vegetação, quase por nós enxotadas, por certo também da welwitschia mirabilis

“Lago das Miragens

Se eu morrer um dia aqui neste deserto,
atirem meu corpo ao Lago das Miragens!…
Assim bem fundo no sopé
daquele morro imóvel reflectido.
Talvez o meu desejo lá no fundo
alimentasse raízes destas welwitschiae mirabiles
que enterram no deserto o seu segredo…

Se eu morresse aqui… ou mesmo vivo
se no deserto chovesse o meu desejo
(neste deserto selvagem que em nós se transmudou)
seria revelado aos homens o mistério
deste não-sei-quê que não nos é propício…

Deserto-mar da Ilusão
dos que sofrem a sede da vingança
ou talvez só a sede da Justiça.
Se eu morrer aqui neste deserto
enterrem-me corpo e alma no lago-mar da Ilusão.”

(Moçâmedes, Deserto do Namibe, 1967, publicado in O PROFESSOR, Jan./Abril 2005.p. 66)

Mas voltemos ao ‘nosso’ Liceu Adriano Moreira, ou melhor, ao patrono do liceu, porque tudo o que fica escrito com ele tem algo a ver. Personalidade de grande envergadura, ministro do Ultramar de então, sócio da Academia das Ciências de Lisboa e depois seu presidente (e, na verdade, não sei se ainda o é…). E voltámos aqui porquê? Para quê? Para fazermos ao Sábio (e aos outros Sábios seus sócios), uma pergunta inocente.

Porque que é que esse homem tão importante e sábio, com um importante currículo, sinal de sabedoria, como é o dele, assim tão ligado à Academia guardiã da Língua Portuguesa, consentiu a RATIFICAÇÃO do Acordo (e, pelos vistos, consente ainda porque na sua escrita usa “essa coisa obscena chamada Acordo Ortográfico”)?