Contribuição para o debate sobre a “Aplicação do Acordo Ortográfico”

“A Comissão Parlamentar de Educação, Ciência e Cultura, na sequência da aprovação de um requerimento do PCP, deliberou, por unanimidade, constituir um Grupo de Trabalho para Acompanhamento da Aplicação do Acordo Ortográfico, de que fazem parte deputados dos vários Grupos Parlamentares, o qual está a ouvir várias entidades sobre esta matéria e a receber contributos escritos em relação à mesma.

Tendo em vista recolher variadas posições para reflexão, foi deliberado colocar a matéria em debate público, até ao final do dia 28 de fevereiro. Para uniformização da estrutura dos contributos e maior eficácia na sua apreciação, solicita-se que, se possível, seja utilizada a seguinte sequência:

1. Enquadramento da matéria;
2. Objetivos do Acordo Ortográfico;
3. Vantagens decorrentes da aplicação do Acordo Ortográfico;
4. Inconvenientes e problemas resultantes da aplicação do Acordo Ortográfico;
5. Proposta que apresenta;
6. Outras questões.” (http://app.parlamento.pt/forum/pub/IntervencoesDebate.aspx?ID=69)

1. Quanto ao enquadramento (tratamento) da matéria, pergunto: alguém achará sensato e legítimo aceitar que essa língua bárbara chamada Acordo Ortográfico seja de uso obrigatório, tão só e apenas em um dos mais pequenos espaços do universo da lusofonia, precisamente o país de onde houve vida e nome o português língua de Camões? Não há enquadramento: há desenquadramento, “insensato”, “obsceno”… (Vasco Graça Moura dixit).

2. Os ‘objetivos’ (sic) do Acordo Ortográfico são, obviamente, economicistas e neocolonialistas ao contrário: a ex-colónia a querer impor, no seu interesse económico emergente (também o interesse editorial) – o seu linguajar – à ex-‘metrópole’. Os governantes (desgovernantes) da ex-metrópole, escandalosamente subservientes e provavelmente levados por não se sabe bem que interesses comerciais/editoriais, foram até hoje os únicos que o ratificaram e impuseram – não fique por dizer – ilegitimamente, ilegalmente.

3. Vantagens? Que vantagens? Só desvantagens, a começar pela ‘estragação’ da língua de Camões, especialmente no que respeita às tais mudas (que as mais da vezes não são mudas!). São lá precisas por  razões que têm a ver com a etimologia (que ajuda a semântica e a prosódia).  Mesmo quando essas consoantes são mudas, elas ajudam o leitor a lembrar-se de que a vogal precedente é aberta. ‘Afetado’ em vez de ‘afectado’? Até faz logo pensar em ‘aftas’… Ainda hei-de provar (no meu blogue ‘Tento na Língua’) que se a imposição ‘desse’ acordo fosse definitiva, seria um golpe na língua que afectaria centenas de palavras do género do exemplo que acima apresentei: ‘afectado’, dentro de pouco tempo, passaria a ‘af(e)tado’; e só este exemplo, porque tem um verbo na família, provocaria alteração fonética forçada em inúmeras palavras que não vêm nos dicionários, tendo em vista a flexão do verbo. O mesmo aconteceria com ‘excepto/exceptuar’, ‘ejecto/ejectar’, ‘confecção/confeccionar’, etc., etc..

“Ainda ninguém chamou a atenção para a ambiguidade de se falar em ‘consoantes mudas’ – uma contradição em si que decorre da confusão entre as palavras escritas e faladas, entre a grafia e a fonética – dois sistemas autónomos com origens e evoluções históricas relativamente independentes um do outro…”
(Carta de Richard Hinkel Jr. ao Expresso de 10/03/2012 – recorte facultado pelo meu amigo Alfredo Faustino)

4. Além dos inconvenientes anteriormente referidos, tenha-se em vista a confusão absoluta nas escolas, nas repartições, em toda a parte em que se obrigue o uso dessa língua bárbara chamada Acordo Ortográfico.

5. Suspensão imediata. Voltar à estaca zero. Tratamento da questão por gente sabiamente competente, mesmo tratando-se de alguns linguistas universitários; sem quaisquer comprometimentos, claros ou obscuros, nomeadamente de cariz económico-financeiro. Ou se calhar, o melhor ainda seria não mexer em nada: deixar tudo como dantes. Esse Acordo, além do resto, revela-se um pantanal de ignorância das regras da evolução das línguas. Nenhum gramático, nenhum linguista , nenhum catedrático pode alguma vez impor alterações da língua. (E seria caso para lembrar se alguma vez o Brasil cumpriu algum acordo ou convenção assinado…)

6. Se se proceder como segundo a proposta do número anterior, não há lugar para outras questões… A não ser a questão (a pergunta): como foi possível a ratificação na Assembleia da República ter sido unânime (note-se bem: unânime!)? Quer dizer, portanto, com os votos de todos os deputados, mesmo os do PCP, dos Verdes e do BE! Como foi isso possível?! Estou muito zangado com toda essa boa gente de esquerda!

António Marques
Professor profissionalizado do Grupo 8º-A aposentado
Autor do(s) livro(s) Tento na Língua! (Plátano Editora) e do blogue do mesmo nome (tentolingua.wordpress.com).
(http://app.parlamento.pt/forum/pub/VisualizacaoIntervencao.aspx?ID=69&ID_Intervencao=1133)

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